O esplendor da velhice

Conversando longamente, irmão e irmã rememoram os caminhos e as veredas por eles caminhadas em sete décadas. O tópico do dia foi seu primeiro aniversário. Alegria da chegada da primeira filha espalhando-se incontrolavelmente por todos rincões da nossa casa. Músicos militares perfilados tocando os acordes do Trevo de Quatro Folha, ladrilhando a rua com a luminosidade dos seus instrumentos. Olhos dos vizinhos movendo-se horizontalmente, ora para a banda, ora para o bolo artisticamente confeitado pela nossa mãe. Memorias felizes de um passado distante revividas nas incertezas dos dias de hoje. As memórias que ainda podemos lembrar.

Boletins médicos dos interlocutores complementados por um apanhado geral da situação de saúde de familiares, invadiam os devaneios e a narrativa feliz das memórias. Ocasionalmente notícias fúnebres, todas comunicadas com a timidez da morte sempre em voz baixa, como se a morte estivesse presente. Digeridas passivamente, purgantes efêmeros com o gosto amargo de uma jornada interrompida prematuramente. Voltávamos apressadamente ao presente. Na realidade, usamos o presente para visitarmos nosso passado comum. Distanciados da infância pelo tempo, regozijávamos o fato de sermos maratonistas da vida. Vivos, cansados, ofegantes, suados, sempre lembrando dos desafios, das pistas e obstáculos nos nossos caminhos.

As conversas com minha irmã são possíveis porque vivemos mais, fenômeno demográfico refletindo mudanças culturais e avanços importantes na ciência e na qualidade de vida. Somos parte da população que está envelhecendo graças a conquistas sociais importantes que garantiram o aumento na expectativa de vida, em particular para os brasileiros que atingem 65 anos. Já ultrapassamos esta barreira. Avanços que devem ser acompanhados de uma reforma previdenciária que garanta juntamente com a conquista do envelhecimento, garanta também maior justiça social.

Chegamos ao fim da nossa conversa. Viagens, flores e netos, presentes da nova demografia. As pedras do caminho transformadas em ventos poeirentos, miragens.

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores