A chegada maciça de turistas pode parecer um alívio econômico para cidades que buscam se reerguer, mas essa invasão silenciosa nem sempre é sinônimo de prosperidade. À medida que o fluxo de visitantes aumenta, a vida cotidiana dos residentes passa a ser moldada por interesses que nem sempre os incluem. Em Alghero, na Itália, e em Sitges, na Espanha, exemplos clássicos de destinos que se vendem como paraísos ensolarados, o custo desse brilho aparente recai, sobretudo, sobre os ombros de quem lá vive.
Os efeitos do turismo sobre a qualidade de vida (QoL) dos moradores são uma preocupação que precisa ir além do discurso ensaiado de “melhorias para todos”. Afinal, é preciso encarar a realidade de que, em muitos casos, as promessas de desenvolvimento se transformam em miragens de bem-estar que nunca se concretizam. Em vez disso, o que se vê são ruas abarrotadas, serviços sobrecarregados e um crescente sentimento de frustração entre aqueles que são forçados a dividir seus espaços com uma multidão que, dia após dia, parece menos convidada e mais intrusa.
Para entender esse fenômeno, foram realizados estudos com os moradores dessas cidades, utilizando questionários que, sem o véu da retórica turística, buscaram captar a realidade nua e crua: as expectativas, os descontentamentos e, principalmente, os sacrifícios que muitas vezes são invisíveis nas propagandas promocionais. As descobertas foram claras: o impacto negativo do turismo sobre a qualidade de vida urbana (UQoL) é real e, em muitos aspectos, supera os benefícios alardeados. A interação cotidiana com turistas, longe de ser uma troca cultural enriquecedora, tem se mostrado uma fonte de desgaste, perturbando a rotina e os funcionamentos básicos que sustentam uma vida equilibrada.
Não se trata de demonizar o turismo, mas de reconhecer suas consequências. Quando se constata que a presença de turistas leva a um aumento do custo de vida, à deterioração de espaços públicos e à alienação dos moradores em relação às suas próprias cidades, é um sinal claro de que algo está fora do lugar. Cidades que antes se orgulhavam de seu charme e autenticidade agora veem seus habitantes isolados, privados de usufruir das mesmas amenidades que, ironicamente, são promovidas como “atrações imperdíveis” para os visitantes.
Se as políticas públicas continuarem a ignorar o descontentamento local, as consequências podem ser ainda mais graves. A hostilidade crescente em relação aos turistas é um sintoma de que o equilíbrio entre a vida dos moradores e as demandas do turismo está perigosamente inclinado. O turismo, que deveria ser um motor de desenvolvimento, pode facilmente se transformar em um veneno que envenena a própria fonte de sua atração: o acolhimento e a hospitalidade dos locais.
O que Alghero e Sitges nos ensinam é que é preciso encontrar um ponto de equilíbrio. Não basta celebrar o aumento de receitas ou o crescimento de hotéis e restaurantes. É necessário, sim, criar ferramentas que mensurem o impacto real do turismo na qualidade de vida daqueles que têm suas vidas atravessadas por esse setor. Afinal, de que adianta uma cidade ser considerada um “destino imperdível” se ela deixa de ser um bom lugar para se viver?
É exatamente essa a pergunta que fazem os moradores das praias da Orla paraibana. A incapacidade do poder público de levar em conta a qualidade de vida dos contribuintes do IPTU e, em contrapartida, abrir espaço para um turismo predatório que toma conta das praias, tem gerado descontentamento. O resultado? Trânsito caótico, grupos atravessando vias de forma perigosa, barulho excessivo de equipamentos de som, além de episódios frequentes de embriaguez em público. Esses são apenas alguns dos sintomas de um desgoverno marcado pela incompetência dos “turistocratas” de plantão.
Palmari H. de Lucens