No cenário turbulento em que vivemos, um fenômeno inquietante tem se destacado: a ascensão do que podemos chamar de “pobre de direita”. Trata-se de um indivíduo que, em vez de questionar as estruturas que o mantêm em um ciclo de precariedade, adere a discursos reacionários e se vê como protagonista de uma luta ilusória. Este grupo, desiludido e traído por promessas vazias, encontra ressonância em narrativas culturais que, embora ficcionais, moldam sua percepção da realidade. Nesse contexto, a figura do Coringa, especialmente em sua interpretação mais recente, se torna um arquétipo sombrio, simbolizando o trabalhador empobrecido e humilhado que não encontra seu lugar no mundo.
O Coringa, com seu riso desesperado e sua existência marcada pela exclusão, encarna a raiva de quem foi relegado às margens. Prometeram-lhe meritocracia, mas entregaram-lhe instabilidade e miséria. Esse personagem, que transcende o cinema para ganhar vida nas ruas, reflete a angústia e o ressentimento de uma classe que, incapaz de identificar os verdadeiros responsáveis por sua situação, dirige sua fúria para alvos fictícios. Assim, ele se torna um símbolo perigoso, ao mesmo tempo sedutor e destrutivo.
Eventos recentes, como a tentativa de ataque em Brasília por um homem fantasiado como o icônico vilão, não são episódios isolados. São manifestações de um desespero crescente, onde aqueles que se sentem invisíveis, desprezados e silenciados encontram no caos uma forma de protagonismo. Para esses indivíduos, transformar um ato violento em um gesto heróico é a derradeira busca por significado em um mundo que os rejeitou. No entanto, o que parece uma revolta legítima é, na realidade, uma peça cuidadosamente orquestrada por aqueles que, das sombras, manipulam a raiva popular para seus próprios interesses.
O dilema enfrentado por esses “protagonistas da extrema direita” é duplo e igualmente trágico. O primeiro caminho é a autodestruição: doutrinados pela ilusão da meritocracia, veem-se como fracassados e não como vítimas de um sistema que jamais lhes deu uma chance real. Isso os empurra para a depressão, o alcoolismo e outras formas de escapismo. O segundo caminho é direcionar a raiva para fora, contra inimigos inventados: o nordestino preguiçoso, o negro sempre associado à criminalidade, o beneficiário de programas sociais que é visto como parasita. Esses estigmas, cuidadosamente construídos, apenas servem para manter intacto o status quo, ocultando as verdadeiras causas da desigualdade social.
A pregação moralista e salvacionista que emerge de certos setores políticos e religiosos oferece um alívio temporário, uma boia de salvação que, ao mesmo tempo, sufoca. Apresenta-se como uma solução, mas é, na verdade, mais uma forma de controle. Ao transformar a raiva e o ressentimento em um combate moral, esses discursos desviam o foco da opressão real: um sistema que concentra poder e riqueza nas mãos de poucos, enquanto empobrece a maioria.
No fim, o “Coringa” contemporâneo é tanto um ícone de resistência quanto um espelho distorcido da manipulação de massas. Ele simboliza o trágico destino daqueles que, em vez de lutar contra seus opressores reais, se deixam enredar em um teatro de marionetes, onde a raiva é encenada, mas a justiça jamais chega. Enquanto eles se consomem em batalhas ilusórias, o verdadeiro vilão — um sistema econômico que perpetua desigualdades e uma elite política que se protege — permanece nas sombras, rindo do caos que ele próprio alimentou.
Palmarí H. de Lucena