O Conclave das Ideias: Os Tons Ideológicos que Pintam o Futuro da Igreja

O Conclave das Ideias: Os Tons Ideológicos que Pintam o Futuro da Igreja

A morte de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, não encerrou apenas um pontificado — abriu-se, no Colégio de Cardeais, uma espécie de mapa ideológico global, um espelho dos tempos em que vivemos. À sombra da cúpula de São Pedro, travam-se hoje debates que ultrapassam a teologia e alcançam o âmago das grandes questões do século XXI: migração, gênero, pobreza, tradição e inclusão.

Na complexa geometria política da Igreja, os 137 cardeais eleitores que decidirão o novo Papa formam uma constelação de visões distintas, mas todas orbitando uma mesma pergunta: que Igreja surgirá das cinzas de Francisco?

Cerca de 53 cardeais compõem o que se convencionou chamar de pastores bergoglianos — homens moldados pela visão do pontífice argentino. São favoráveis a uma Igreja com cheiro de povo, aberta ao diálogo com o mundo, comprometida com os migrantes e com o cuidado da casa comum. Defendem uma fé mais pastoral que doutrinária, mais acolhedora que normativa.

Em outra ponta, os progresistas, em número reduzido (15), propõem uma guinada ainda mais ousada: casamento gay, ordenação feminina, revisão do celibato. São vozes que ecoam as urgências das sociedades contemporâneas, mas que, dentro da Igreja, soam quase como profecias ainda sem altar. Proclamam uma inclusão sem reservas, mesmo quando isso significa enfrentar as colunas do templo.

Do outro lado, os conservadores (25) e os tradicionalistas (5) defendem o retorno a uma doutrina sólida e perene. Veem nas mudanças um risco de diluição da identidade católica. São guardiões da liturgia imutável, da moral inegociável e da verdade eterna, muitas vezes em choque com as atualizações propostas pelos novos tempos.

Mas talvez os mais enigmáticos e decisivos sejam os periféricos — 39 cardeais oriundos das bordas do mundo, sobretudo do Sul global. Representam uma síntese desconcertante para olhos ocidentais: conservadores nos costumes (contra o aborto, a ideologia de gênero, defensores da família tradicional) e socialistas na economia, comprometidos com a justiça social, a redistribuição de renda e os direitos dos povos oprimidos. São herdeiros do espírito de Medellín, da teologia da libertação que sobrevive sem se proclamar.

Diante desse mosaico, a eleição do novo Papa será mais do que um processo espiritual — será também uma escolha política e civilizatória. Não se trata apenas de decidir quem comandará o Vaticano, mas de que Igreja emergirá: uma que escuta os clamores do mundo moderno ou aquela que se ancora nas certezas de milênios? Uma que acolhe os diferentes ou que protege os dogmas?

A fumaça branca que em breve subirá dos telhados do Vaticano não trará apenas o nome de um novo pontífice. Ela carregará, em sua leveza simbólica, o peso de um mundo em travessia — e de uma fé que, como a humanidade, também precisa escolher seu caminho entre o passado e o futuro.

Por Palmarí H. de Lucena