O barco nergro da mãe preta

Grupo de emigrantes brasileiros celebrando uma ocasião especial. Mesa improvisada, decorada sem grande requinte ou funcionalidade. Aroma de feijoada invadia as narinas e todos os recantos do pequeno apartamento.

Cantora gaúcha desconhecida no Brasil chegou atrasada. Acompanhada por um homem negro de meia idade apresentado prontamente como Caco Velho, o Sambista Infernal. Recordamos uma chanchada dos anos 50, ¨Carnaval na Atlântica¨, no qual participara com números musicais. Assumiu comando da secção de ritmos imediatamente ― avulsos e contagiantes. A parada de sucessos musicais, terminou abruptamente. Queixa dos vizinhos.

O sambista nos contou que procurara trabalhou sem grande êxito. Reclamava que a bossa nova, em êxito total nos Estados Unidos, não abria espaços para sambistas tradicionais. Tentamos vários contatos. Bar italiano no centro de São Francisco concordou em abrir o pequeno palco à Caco Velho. Sucesso imediato, casa cheia de emigrantes brasileiros, dançando entre as mesas ou no palco. Temeroso de uma intervenção do sindicato dos músicos ou das autoridades municipais, o dono cancelou os shows abruptamente. Desencorajado e praticamente sem dinheiro, partiu para o Sul da Califórnia. Soubemos décadas depois que havia falecido no Brasil em1971.

Fugiam de Caco Velho, fama e sucesso. Mãe Preta, uma de suas mais notórias composições, possivelmente a melhor, foi relegada ao insucesso comercial. Encontrava-se na contramão da história das relações entre brancos e afrodescendentes nas Américas. Imagens de mães negras servis cuidando de bebês brancos na casa grande, enquanto seus homens apanhavam na senzala, condenou a bela canção ao desdém e à obscuridade. Ingenuamente, seu compositor esperava que fosse um sucesso nos Estados Unidos. Estávamos na década de 60, enfrentamentos raciais e busca de identidade étnica e autodeterminação era a norma.

Amália Rodrigues lançou Mãe Preta como um fado sob o curioso nome de Barco Negro e uma letra romântica sobre a partida de um ente amado. A moçambicana Marisa, a mais nova diva do fado, relançou com grande sucesso mundial. A Mãe Preta do Barco Negro continua vivendo na obscuridade.