Vivíamos a irracionalidade exuberante de um povo que parecia haver encontrado a estrada dourada para o seu destino. Projetos faraônicos, promessas de uma revolução classe mediana, construindo o país dos mais: mais médicos, mais bolsas, mais crédito fácil, mais habitações, mais produtos eletrônicos, mais dividas e mais impostos também. Potência econômica emergindo em um mundo complicado, onde os países mais ricos estavam ficando menos ricos. Países menos pobres vendendo matérias primas à preços diferenciados e exportando fábricas manufatureiras para o dragão chinês. Alimentando uma humanidade contaminada pelo vírus do consumismo de genéricos made in China.
Havíamos chegado ao cume: o Brasil do futebol, samba e pouca roupa, transformando-se na estação galáctica do Império Global da FIFA. Gigante rei acordado abruptamente, irritado pela audácia ingrata dos seus súditos. Manifestações e protestos irados, muitas vezes violentos, invadindo as telas de televisão acostumadas com novelas, Big Brother e shows de auditório. Inefabilidade áurea do seu manto real rasgando-se nas ruas e comunidades excluídas. A vulnerabilidade da nudez exposta, insuficiente para encobrir seus pecados e ofensas contra o patrimônio e a confiança do povo.
Policiais, motoristas, funcionários públicos e estudantes. Com demandas apresentadas em estilo convencional e com direito a carro de som, camisetas e slogans. Fileiras de pessoas juntaram-se a manifestações expressando seu descontentamento, a hora de ouvir discursos do governo, partidos políticos ou instituições havia passado. Insatisfação prolixa com a situação do país, reagindo aos limites das instituições e do modo de fazer politica de abrigar um dialogo representativo e promover mudanças.
Claramente assimétricas em relação à politica convencional, as reinvindicações especificas das manifestações, cobrem um largo espectro de queixas e demandas contextualizadas em um questionamento genérico sobre a concepção da conjuntura atual, suas prioridades, suas regras e seus atores. Descontentamento geral com os intermediários de um modelo politico que não os representa, com lideres e operadores partidários ou organizações que cada vez menos se diferenciam entre si, vistos como arrogantes, incompetentes e corruptos. O debate e as transformações necessárias na institucionalidade politica, vão mais além da polêmica sobre os programas de governo, partidos ou alianças partidárias. Necessitamos promover uma reforma genuína, com regras e mecanismos que facilitem a participação cidadã, devolvendo o poder ao povo, antes que as nossas cidades, ruas e calçadas se transformem em campos de batalhas fraticidas e palcos de espetáculos de desordem e violência urbana.
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores