No império da Rainha Vermelha

Ouvíamos noticias sombrias intercaladas com músicas fúnebres, tristeza e apreensão dominando o ambiente familiar. Getúlio Vargas, Gegê, havia cometido suicídio. Passara a ser parte da história, confrontado pela desgraça inadiável e a solidão política. “Caso o senhor deixe desta ou daquela maneira este palácio, a minha obrigação constitucional é vir ocupá-lo”, escrevera friamente seu vice-presidente

Pequena estátua de um gaúcho tomando chimarrão adornando um móvel. Gegê, o gaúcho, era um semideus na nossa casa, tão nosso como o petróleo que declarou ser nosso. Teríamos um novo presidente: nordestino, progressista e protestante, o homem chamava-se Café, provocando insônia nosquartéis. Havia chegado ao poder com o apoio do governador de São Paulo, o criador da política “roubomas faço”.

Tolerávamos o cotidiano da nova ordem sentados à uma mesa do Bar Savoy, aquele dos trezentos desejos presos e dos trinta mil sonhos frustrados do poeta Carlos Pena Filho. Homens em verde oliva, armas em perfil de combate, olhares desconfiados. Seguidos por rumores, ora atravessando as pontes ora perdendo-se nos manguezais de rios poluídos de lógica castrense. Afogávamos apreensões em canecas de chope, desaparecíamos no calor insuportável do Recife Antigo. Passávamos por pessoas congregadas em um largo doando joias e dinheiro para ajudar o novo governo. “Ouro para o bem do Brasil “.

Voltamos quatro décadas depois. Encontramos um povo embriagado pela irracionalidade exagerada do consumismo, contagiados pela hipérbole populista dos jargões dos novos senhores. Por que estavam tão intranquilos, quando se sentiam tão felizes, perguntamos. Nunca recebemos uma resposta satisfatória. Seis décadas depois do suicídio de Gegê, os vilões agora são eleitos. Mestres do fisiologismo e do clientelismo político maquiando reformas, debilitando a governabilidade. Corremos sem nunca sair do mesmo lugar, vivendo as fantasias do Império da Rainha Vermelha.

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores