Grande e inesperado encontro da História do Brasil com trabalhadores brasileiros. Escavações feitas durante as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro haviam descerrado as ruínas do Cais de Valongo, o principal local de desembarque e comércio de escravos africanos no Século XIX. Semanas enfurnados nos porões escuros em condições degradantes, um milhão de seres humanos cativos transitaram pelo embarcadouro como “peças” a caminho de mercados de escravos do Rio de Janeiro. Estima-se que 10,7 milhões de cativos haviam sido consignados para as Américas, quase a metade desembarcou na costa brasileira… Valongo, o maior porto escravagista da história da humanidade, é um relicário infame da magnitude e duração do comércio negreiro no Brasil, o último país a abolir a escravatura.
Parece que existe um acordo tácito para esquecer nosso regime escravocrata, caiando suas manchas vergonhosas da nossa história. Pretendemos ser uma democracia racial, um povo miscigenado e livre de preconceitos raciais, esquecendo convenientemente que a fundação da nossa nação teve sua origem na escravidão. Insensibilidade e descompromisso com a transformação de escravos livres em cidadãos, viabilizando um projeto socialmente excludente. Desigualdades históricas mantendo a maioria dos afrodescendentes em situações de baixa competitividade e possibilidades limitadas de sucesso em uma sociedade estratificada. Hoje as elites vivem em um mundo particular, onde a segurança, a educação e a saúde privatizadas criam uma malha protetora contra as consequências e os perigos embutidos na exclusão social.
Racismo e exclusão são vistos hoje como os pilares impedindo o desenvolvimento da população afrodescendente. Leis e programas de ação afirmativa são as peças principais contra o racismo dissimulado prevalecente no Brasil. Membros de elites, acadêmicos e integrantes da mídia argumentam que ação afirmativa subestima a igualdade de oportunidade e meritocracia, conceitos frágeis em um país onde privilégio, nepotismo e contatos, são os caminhos principais para o sucesso, seja político, social ou econômico. Precisamos de um diálogo aberto e democrático sobre nosso passado escravista, estrito cumprimento das leis antirracistas e melhorias nas condições socioeconômicas da população afrodescendente. Programas de ação afirmativa são necessários para nivelar e melhorar o perfil competitivo do povo brasileiro. Deixaremos então de tratar esta nossa população como o que hoje é: nem separada, nem igual.
Palmari H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores