Placa na curva da estrada: Malelane, Província de Mpumalanga. Anunciando nossa chegada ao refúgio mágico de um passado não tão distante. Chamado “lugar onde o sol nasce”, simbolizando tudo que procuraríamos reencontrar na savana que ocupava a fronteira da África do Sul com Moçambique. Animais selvagens percorrendo planícies intactas; pássaros multicoloridos e cantos diversos; rios e lagos, perigos e beleza. Sons do começo do dia, todos os dias. Polifonia selvagem anunciando mais uma surpresa. Sempre algo espetacular, na imprevisão e na espontaneidade de sua criação.
Neblina escondendo os mistérios do Rio Crocodilo. Penetravam a cortina cinzenta, pequenos fachos de luz tocando o capim novo, com leveza. Quinhentas espécies de pássaros anunciariam o amanhecer pela vastidão da savana. Pássaros brancos grasnam na margem oposta, anunciando a aproximação de hipopótamos ou qualquer outra espécie. Conhecidos pelo nome ¨tchiluanda¨, pousam no dorso do animal, que aceita a companhia na maior docilidade, não demonstrando nenhum desagrado. Aqueles que pousam, comem os parasitas que se inserem nas peles dos que comem o capim verde. Comensalismo, harmonia na savana.
Partimos ao nascer do dia. Entraríamos no Kruger Park pelo ¨Malelane Gate¨, a oito quilômetros da River House Lodge, nosso lugar de hospedagem na margem do Rio Crocodilo. Completamos as formalidades. Apontamos nossa picape na direção da savana, sem saber exatamente o que poderia acontecer ou que animais estariam na área do nosso percurso, 200 quilômetros. Viajávamos em silêncio. Nosso guia sussurrou um alerta: “leopardo às 10 horas” – usando o mostrador do relógio como uma bússola. Sentado em um galho de uma arvore seca, uma espécie maravilhosa do predador. Garras enterradas firmemente no que restava da presa, um pequeno antílope. Parecia enfastiado com a nossa presença…
Continuamos a jornada. Deparamo-nos com uma hiena deitada na estrada ao contornarmos uma pequena curva. Outras cinco cheiravam o chão farejando leões. O fedor de carniça, misturado com o hálito e as bocas ensanguentadas dos animais, sugeria que a noite havia sido proveitosa. Estavam bem alimentadas, mal notaram nosso veiculo a uma pequena distancia.
Girafas, zebras, elefantes, gnus e antílopes. Aves exóticas, algumas ao borde da extinção.Notávamos e fotografávamos todos, alguns cursoriamente, sem ordem de precedência. Engolfados em matizes e víeis da natureza, penetrávamos os segredos da savana sentindo-nos confortavelmente humanos na presença dos perigos e tribulações da jornada.
Outra curva. Casal de leões acasalados à sombra de uma árvore precariamente verde. Continuando o ciclo da vida. Continuando… Sequestrados em territórios cada vez menores, sobrevivendo à lógica do progresso humano nas curvas da savana.
Palmarí H. de Lucena palmari@gmail.com