Na casa de Pablo Neruda

Photo by Palmarí H. de Lucena
Na casa de Pablo Neruda

As lembranças das Águas de Março de Tom Jobim nos acompanharam pelos jardins, salas e nichos de La Chascona, a casa de Pablo Neruda em Santiago. Ora estávamos em um esconderijo de amantes, ora em um barco à deriva no Oceano Pacífico… O Holandês Voador sem castigos, presságios, medos ou fantasmas. Um convite à reflexão, ouvindo o cheiro de paz e flores ao nosso redor, enquanto a mão invisível do poeta nos guia por pequenas lembranças, pedaços de coisas avulsas, garrafas coloridas e amuletos.

Olhos mágicos, carrancas e máscaras acompanham nossa jornada pelo labirinto de pequenas salas, entradas secretas e jardins floridos. Coisas acumuladas aleatoriamente, sem obedecer a nenhuma ordem, preferência ou estilo, contextualizando a organização do ambiente. O curador e colecionador construíram um universo mágico, transformando criações poéticas em objetos apaixonadamente amados.

Caminhamos pausadamente, em busca de pequenos achados arqueológicos, abrigados em cantinhos pouco iluminados ou óbvios demais para serem facilmente desagregados. A felicidade sábia da velhice emerge, rememorando a tristeza melódica e a dor profunda do Poema XX, recitando baixinho as últimas estrofes escritas para amores de uma juventude tão distante, perdidas no infinito. Sobram apenas as noites estreladas e o silêncio dos astros adornado pelo liricismo do poeta. Vozes ressoando na imensidão do horizonte que ele nos havia ensinado.

Mulheres e homens idosos explicam como começou o romance de suas vidas, meio século de amor comemorado em La Chascona. Poemas recitados ou enviados em bilhetes coloridos através do fervor juvenil. A paixão impregnada nas palavras, demonstrações de ternura e a sonoridade dos versos uniram os jovens amantes. Mais tarde, descobriram que o autor de todas as manifestações poéticas era Pablo Neruda. O homem amante havia se apropriado das criações poéticas para transmitir a intensidade do seu amor e o desejo de unir suas vidas. Tardia e profundamente apaixonada, ela simplesmente aceitou a paixão dos versos como se fossem escritos para ela.

La Chascona, o ninho de amor de Pablo e Matilde, o lugar de partida ou retorno das aves que voaram para longe, atravessando mares e cruzando espaços, perdendo-se ou encontrando seus rumos. Cantando versos que fazem com que nossas almas sintam o que a primavera faz pelas cerejeiras.

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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