Mil e um ais da Serra de Sintra

Tínhamos uma vista privilegiada do jardim. Matizes de verde e marrom; grama e arbustos manicurados em perfeitas formas e simetria, seguidos de bosques castigados pelos rigores do inverno. Toque de solidão e devaneio no anoitecer de um dia cinzento que desafiara toda e qualquer possibilidade de quebrar a monotonia da paisagem diante de nós. Longe, bem longe, no cume da serra coroada pelo Palácio da Pena, suas magnificas cúpulas brilhavam timidamente com o toque dos raios de um sol moribundo. Sentinelas solitárias na paisagem melancólica e majestade serena da Serra de Sintra.

Reminiscências do passado glorioso do Palácio dos Seteais. Interiores revestidos de seda e mobiliário clássico, decorados com afrescos, gravuras antigas e objetos de arte. Salas e aposentos nos levavam a uma cápsula de tempo imaginária que abrigava suas belezas e segredos. Sentíamo-nos como hóspedes da História; o check-in na chegada ao hotel, uma mera distração.

Arco triunfal decorado com um medalhão com os bustos de Dom João VI e Dona Carlota Joaquina e troféus da época, comemorativos da visita do então Regente, unem os dois nichos do Palácio.

Mistério, melancolia e poesia, permeiam a atmosfera ao redor do Palácio. O Penedo da Saudade e a bela vista ao seu redor, lembraram-nos das lendas de jovens mouras e cruzados. Lenda que deu origem ao nome do lugar discorre sobre o martírio de uma formosa princesa moura, que esteva cativa no Palácio e lá morreu de muito penar. Os sete ais muito sentidos e profundos que deu antes de expirar, foram fundidos através dos anos para formar o nome Seteais.

No livro ¨Os Maias¨, Eça de Queiroz narra o encontro do personagem Carlos Maia com Alencar, poeta ultrarromântico, que prontamente recita uma estrofe que havia escrito sobre o Penedo da Saudade: ¨ […] Quantos luares eu lá vi? Que doces manhãs d´Abril? E os ais que soltei ali. Não foram sete mas mil!¨.

Subimos a rampa até o mirador, após cruzar o arco. Belos jardins em forma de labirinto, casas brancas a distância, campos cultivados e um mar bem longe de onde estávamos. Grupos de estudantes ouviam atentamente aos seus professores. Estudavam o oitavo capítulo de ¨Os Maias¨, falavam sobre a história do Palácio dos Seteais. Enquanto contemplávamos o Penedo da Saudade, acreditamos ter ouvido um longo ai ecoando entre as colinas, juntando-se aos ais do poeta, da princesa e a todos os demais…