É pau, é pedra, é o fim do caminho/É um resto de toco, é um pouco sozinho/…Águas de Março de Tom Jobim detalha um inventário de objetos aparecendo diante dos olhos do compositor no final de uma tarde no campo. Parte do patrimônio cultural brasileiro, a canção provoca momentos de profunda reflexão, experiência única conectando um artista ao mundo mais próximo à sua realidade, e ao mundo como um todo. Objetos do cotidiano e o imaginário perpetuando uma narrativa sobre a identidade, a criatividade e a herança cultural do nosso povo.
Patrimônio cultural é uma representação de lugares, objetos, experiências de vida e tradições, valorizados por famílias e comunidades por serem parte de elos entrelaçados conectando a ancestralidade de múltiplas gerações. O advento da globalização, a digitalização do cotidiano sem conteúdo, a desestruturação de famílias e a ausência de programas de educação patrimonial são, lamentavelmente, barreiras constantes e desincentivos à preservação. Corremos o risco de apagar, ou seja, de deletar, o senso de identidade e continuidade do nosso patrimônio, mesmo com a disponibilidade de recursos tecnológicos dos tempos modernos.
Cultura de um povo ou de uma comunidade é diversa e inclusiva, abrigando tradições, folclore e crenças transmitidas oral ou gestualmente ao longo dos anos. Este patrimônio é especialmente vulnerável à constantes mutações e multiplicação dos seus protagonistas. A incorporação de educação patrimonial nas escolas seria um fator importante na perpetuação do patrimônio, formação da identidade cultural e reforço na autoestima de jovens vulneráveis à alienação social ou expostos a tendências negativas ao seu redor. Projetos de criação de museus eletrônicos da classe, da família ou mesmo da comunidade, por exemplo, poderiam dar continuidade, preservar valores culturais a ser espelhados por futuras gerações. A cultura é, afinal de contas, a expressão de uma nação, de suas raízes e de seu lugar na historia da humanidade.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores