Maratona de degustação de frango com castanhas de caju

Quando da primeira viagem à Republica Popular da China, decidi revisitar um pouco da história, cultura e a culinária do país. Queria evitar, a todo custo, os infames problemas digestivos ou gafes protocolares que ocorrem durante uma visita oficial ou excursão turística. Descobri imediatamente que, devido sua enorme diversidade, seria praticamente impossível aprender algo substantivo em poucas semanas. A culinária chinesa reflete uma complexa mistura de culturas, regiões e etnias, com sabores e estilos diferentes, conhecidos como as Oito Grandes Tradições. As opções de comida são tão diversas, cada cidade, por pequena que seja, apresenta sua própria versão. As refeições são servidas em pequenos bocados e na etiqueta à mesa, é perfeitamente aceitável por de volta ou mesmo cuspir no prato, algo que você não goste ou que só queira degustar uma pequena porção.

Além das variações nos ingredientes usados, as traduções dos cardápios de Chinês para o Inglês são incompreensíveis. Tão confusas que o governo ordenou novas traduções dos nomes de mais de 2.000 pratos, antes da Olimpíada de Beijing em 2008. Nos Estados Unidos, o problema é contornado com cardápios “prá americano ver”, com números específicos para cada prato. O mesmo acontece no Brasil.

O destino era a Província de Fujian, no Sudeste da China, que além de ser uma das mais prósperas, também abriga monumentos históricos declarados patrimônio da humanidade pela UNESCO. Mao Tsé-Tung foi reconhecido como o líder máximo da revolução chinesa, em Janeiro de 1930, em Fujian.

Em 2003, a província e os municípios queriam aumentar suas exportações através de projetos financiados por organismos e bancos multilaterais. Os temas a serem abordados nas nossas palestras seriam: “Como fazer negocio com a ONU” e os “Princípios do Pacto Global da ONU”.

O prefeito da cidade de Longyan e os das outras cidades, no fim da missão, nos honram com um banquete típico. A mesa, circular e giratória, estava totalmente coberta de iguarias e bocadinhos, em todos os tamanhos e formas. A conversa era animada, com clima de missão cumprida. O prefeito anunciou intempestivamente que, os municípios haviam concordado em convidar-me para fazer novas conferências. Convite aceito. Em seguida perguntou o que poderiam oferecer de especial da culinária chinesa na próxima visita. Depois de um momento de pânico e busca mental no cardápio de um restaurante chinês, declarei meu prato favorito ser o “number twenty-six, chicken with cashews” (numero vinte e seis, frango com castanhas de caju), por não lembrar de outra opção. O intérprete traduziu e todos tomaram nota da preferência gastronômica. Ah, um pequeno detalhe, odeio frango.

No regresso a Longyan, seis meses depois, o programa de trabalho foi iniciado com um banquete homenageando o conferencista. A conversa girou em torno das perspectivas de novos negócios e de expansão das relações dos municípios da província, com seus homólogos da America do Sul. O Prefeito de Longyan pediu atenção e anunciou que serviriam algo especial para o convidado de honra. Suspirou profundo, como se estivesse prestes a fazer um mergulho acrobático, e anunciou em Inglês: “number twenty-six, please”. O banquete terminou com muitos elogios a nova experiência culinária. Nas oito cidades seguintes, fui surpreendido com versões locais do prato, sempre anunciado como “number twenty-six”, após cada conferencia. Foi assim que ganhei a maratona de degustação de frango com castanhas de caju na China, em 2004.

Um detalhe final. A delícia culinária que introduzi aos meus anfritiões de Fujian chama-se- Gong Bao Ji Ding, sempre listada nos cardápio em Inglês da China como “Government abused chicken” (frango maltratado pelo Governo). A tradução correta é frango com castanhas de caju. Nos tempos da Corte, me explicaram, os galináceos eram submetidos a um regime especial antes de serem abatidos e cozinhados. Não tente entender as traduções, simplesmente ponha de volta no prato o que não gostar. Boa viagem!

China 2003