Malabarismo nas esquinas da vida…

Esquina movimentada, duas crianças, uma de pé sobre o companheiro. Rápida apresentação de malabarismo com pedras, desafiando a gravidade. Concluíram tão rápido como começaram. Corriam em direção aos veículos. Olhos tristes, suplicantes. Mão em direção à boca aberta, gesto universal de fome. Resposta tépida dos motoristas, polegar para baixo. Moviam-se para o veículo seguinte. Semáforo verde. Palco movendo-se com os atores coadjuvantes. Meninos de rua, veteranos do teatro da pobreza…

Vultos na arcada do prédio, movimentos preguiçosos na confidencialidade da noite. Pausados na esquina, dois policiais ouviam com paciência a um homem visivelmente agitado. Repetindo os fatos, em voz alta, contando nos dedos. “Sou honesto, trabalho como ambulante vendendo DVDs e CDs genéricos”. Próximo ao Mc Donald’s, urinava em um beco. Adolescentes armados levaram tudo. Sessenta “peda” de crack para a miséria deles, vociferou. Instruído como chegar à delegacia, formalizar o boletim de ocorrência. Missão cumprida. Caminharam em direção à praia. Cheiro de maresia, longe da urina do homem e dos vultos. Garrafas de plástico e pedaços de madeira nas mãos. Tomaram posição no meio da interseção, dois meninos. Show time!

Todos os vultos desapareceram repentinamente. O general inverno havia vencido mais uma batalha, até o próximo verão…

Jornais e telejornais anunciando aumento da criminalidade. Ladainha diária. Sempre ao meio dia, longe do horário das novelas. Poucos heróis e muitos bandidos. Confissões, momentos de fama, ao vivo e a cores. Mortes causadas por arma de fogo. Atiradores e motos pretas, raramente identificados ou capturados. Pessoas e criminosos genéricos. Todos sofriam, ninguém notava. Vultos nas esquinas e calçadas, distantes, vistos por trás das lentes olho-de-peixe da indiferença humana.

Poucos malabaristas voltaram. Substituídos pela adolescência, cansaço ou salvos pelas mãos milagrosas de uma avó persistente. Outros ficaram…

Abandonaram as três pedras. Havíamos descoberto as “peda”. Repaginados pela miséria humana como o novo bicho-papão, o chamado “superpredador”. Todos prestavam atenção a eles, ao olho vivo. Os “eles” começaram a ter nomes ou cognomes. O anonimato das esquinas e arcadas, coisa do passado. Adolescentes subnutridos, às vezes com arma de fogo, muito ódio e rancor no coração. Alguns alcançam o status de celebridade. Quantos pobres materialmente e de baixa auto-estima não gostariam de aparecer na mídia como “o terror do Bessa” ou do “Alto do Mateus?” Cheios de “personalidade e atitude”, termos associados com futebolistas milionários e celebridades da musica pop. Quantos?

O fenômeno do superpredator e criminalidade associado com o crack é universal. Apareceu subitamente nas áreas deprimidas das grandes cidades americanas, em 1980. Tão súbito como apareceu, a criminalidade atribuída a esta droga, caiu vertiginosamente no final do milênio. O mesmo clima de ansiedade e insegurança prevalece hoje nas cidades brasileiras.

Todos os expertos estavam certos e errados, ao mesmo tempo, sobre o que ocorria na América. Teorias abundam desde então, sem conclusão definitiva. Fatores como a baixa margem de lucro para traficantes; sentenças severas; imagem negativa dos usuários da droga, chamados “crackheads”; aumentos em oportunidades de primeiro emprego; contribuíram para pôr a droga praticamente fora do mercado. Segundo a grande maioria dos experts, a razão mais importante, foi o impacto da redução da taxa de natalidade na população adolescente excluída. Vitimas e beneficiários da criminalidade associada à droga.

Crack é abrangente, alcança a todos. Soluções duradoras e apolíticas devem surgir, para a inclusão de adolescentes na vertente econômica. Retirando-os do sentimento de alienação e exclusão que os condenou ao túmulo do esquecimento, ao cárcere da miséria humana. Vítimas da nossa negligência maléfica, os filhos dos malabaristas da esquina estarão, nos próximos verões, nas mesmas esquinas?

João Pessoa 2010