Madrid siempre Madrid

Hemingway costumava dizer que Madri era a mais espanhola das cidades. Pessoas vestidas convencionalmente; crianças ainda imunes às roupas de tendência; mulheres idosas em luto permanente caminham despreocupadamente no tablado inconsútil que mistura o histórico com a nova era do minimalismo. Velha e matreira, a capital política do Império comporta-se como uma solteirona observando com falso pudor e desconfiança as travessuras da jovem Barcelona, que há muito tempo tirou seu manto de virtude.

Chegamos a Plaza de Chueca. Sentimos imediatamente como se estivéssemos interagindo com personagens de um filme de Almadôvar. Pessoas em abrigos de lã carregando o peso dos anos nas costas curvadas; outras vestidas em trajes que obliteram qualquer tentativa de identificação biométrica ou status social, jovens cruzando a praça em todas as direções, mãos sempre ocupadas com pequenas sacolas, instrumentos musicais ou um simples cigarro entre os dedos. Observávamos da nossa ¨position avantageuse¨ em um pequeno bar, sem engajarmos nos matizes coreográficos do balé urbano ou as reações dos seus espectadores.

Calle Cava Baja, nosso próximo destino. Estreita e incomumente curvada, abrigando complexas mudanças históricas e absorvendo as imprevisíveis mutações nos microssistemas culturais da grande cidade. Outrora parte de um sistema de fossos construídos no exterior da muralha da cidade, para protegê-la de assaltos de surpresa. As covas permitiam o acesso de soldados ou habitantes, mesmo se as portas estivessem fechadas. Ironicamente, os fossos podem ter sido usados como uma rota de escape dos ocupantes árabes, quando o Rei Afonso VI reconquistou Madri.

Começando na Plaza de Puerta Cerrada, a Calle Cava Baja se estende até a Plaza de Humilladero. Hospedarias, tabernas e pousadas alojavam os viajantes que chegavam de Castela para comercializar seus produtos nos mercados de Cebada ou de San Miguel. Tiveram inicio no século XVII e fomentaram a proliferação de oficinas de artesões que fabricavam objetos de metal e couro para o uso dos visitantes. Quatro das antigas pousadas foram modernizadas e uma delas, a Posada de la Villa, convertida em restaurante.

Tapas são uma instituição madrilena servida em praticamente todo bar ou restaurante a preços acessíveis e para qualquer paladar, mesmo àqueles limitados por melindres gastronômicos. Apesar da popularidade de bares de tapas em todos os bairros da cidade, os localizados na Cava Baja ainda são os mais famosos e frequentados por sua tradição e requinte. Barulhentos, muitas vezes lotados, estes incômodos são facilmente superados pelo espirito de aventura e pelo élan da noite.

Optamos pela Casa Lúcio, o restaurante favorito da família real espanhola por mais de três décadas. A aparência tradicional confunde aos visitantes, que descobrem ao entrar que a elegância e energia do ambiente, são encharcadas de sabores e aromas da espanholidade madrilena.