O adolescente nos observava de forma atenta, cronometrando, com olhos ágeis e grandes, o tempo exato que levamos do carro até o pé da escadaria do edifício. Seu semblante carregava o peso de uma infância marcada pela dureza do trabalho precoce. Aproximou-se discretamente, um leve puxão na manga da camisa, seguido de uma saudação casual: “Selam!… Do you speak English?” Ao respondemos afirmativamente, ele estendeu a mão direita, enquanto o braço esquerdo, dobrado atrás das costas, tocava a lombar em um gesto de respeito. Chamava-se Afework, que, segundo ele, em amárico significava “aquele que fala de coisas prazerosas”. Ofereceu-se como guia, contador de histórias, e deixou claro que os honorários seriam acertados ao final. O aperto de mão selou o trato.
Subimos a escadaria juntos, rumo ao Museu Nacional de Arte da Etiópia. Afework explicou o roteiro da visita com uma rapidez prática: o primeiro andar abrigava tronos, artefatos, esculturas e roupas de diversas partes do país, resumindo dois mil anos de história em uma hora. Depois, seguiríamos para o segundo andar, onde estava a galeria de arte moderna e tradicional, toda composta por obras etíopes. A visita prosseguiu em silêncio, caminhávamos lado a lado, examinando as peças expostas. O jovem guia, apesar de dedicado, parecia deslocado naquele ambiente artístico. Não questionei, ele também não se abriu, exceto por uma confidência ao final do passeio: gostava muito de um quadro chamado “Avó”, embora não se lembrasse do nome do artista.
Ao descermos, Afework sugeriu que visitássemos a galeria no subsolo. Poucos objetos ali chamavam a atenção, exceto um mostruário de madeira bem iluminado, distante da entrada. Sem aviso, ele segurou minha mão e, num tom baixo, quase sussurrado, convidou-me para ver “nossa mãe”. Com o dedo, apontou para o interior do mostruário, revelando uma figura que, apesar de pequena, parecia imensa em significado. Era o molde em gesso da ossada de uma fêmea hominídea, com cerca de noventa centímetros e pouco menos de 30 quilos. Descoberta em 1974, em Hadar, na Etiópia, a criatura vivida há milhões de anos, entre 3,9 e 2,9 milhões, é mundialmente conhecida como “Lucy”. O arqueólogo Donald Johanson deu-lhe esse nome enquanto ouvia “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles.
Afework recitou os detalhes com precisão, quase como se narrasse uma lenda. “Lucy”, porém, era chamada de “Dinqinesh” na Etiópia, expressão que em amárico significa “Vós, arte maravilhosa”. Sua descoberta revolucionou teorias sobre a evolução humana, provando que os primeiros ancestrais deambulavam em duas pernas antes mesmo de desenvolver cérebros maiores. Dinqinesh, com sua pélvis e pernas humanas, andava ereta, apesar de seu diminuto cérebro. Foi em suas terras que a humanidade, pela primeira vez, tomou os passos iniciais rumo ao homo sapiens. Concluímos a visita. Afework estava sereno, sua missão cumprida.
Descemos a escadaria para o jardim, onde o ritual do café nos aguardava. Entre goles quentes e aromáticos, recapitulei a grandeza de tudo o que havíamos visto. Afework, satisfeito com seus honorários, se despediu com a serenidade de quem fez bem o seu trabalho. Ele, um jovem à espera do futuro; eu, um viajante que havia tocado o passado.
A Etiópia, para muitos, é apenas um sinônimo de fome e guerra. Imagens de crianças esquálidas e olhares vazios ecoam nas mentes quando o país é mencionado. A tragédia da fome, que ceifou quase um milhão de vidas no início da década de 1980, despertou o mundo tardiamente. Vítimas do descaso, do cinismo da Guerra Fria e da indiferença global, esses descendentes de Dinqinesh, nossa mãe comum, a arte maravilhosa que revelou nossa ancestralidade. Ela, o diamante que desvendou os mistérios da nossa própria existência.
Palmarí H. de Lucena
Etiópia 2005