Abraços, palavras de conforto e choro abafado pela balbúrdia da rua. Todos juntos, todos perdidos na dor. Missa de sétimo dia da nossa mãe. ¨Papai¨, gritou um pré-adolescente negro enquanto abraçava as nossas pernas. Abraço firme e prolongado. Exibindo um sorriso que ofuscava sua figura raquítica, contraste evidente na aparência e porte tragicômica do meu interlocutor. A solidariedade demorou pouco, pediu dinheiro para comprar comida. Convidado para nos acompanhar até uma lanchonete, recusou. Preferia dinheiro, era menino, mas menino de rua. Chamava-se Leonardo.
Avistamos o menino mendigando à porta de uma churrascaria. Aparição que nos remetia a sentimentos da dor profunda e saudade que sentíamos por ocasião do nosso primeiro encontro. Resposta mecânica, genérica, ao nosso aceno. Mão coçando levemente a palma da outra, linguagem globalizada de pedintes de rua. Dinheiro versus comida, a comida perdeu, queria dinheiro.
Passamos pelo mercado de frutas procurando notícias de Leonardo. Meninos de rua não são conhecidos pelo nome, elucidamos poucas informações dos feirantes. Mulher jovem, arrumando fileiras de abacaxi, perguntou mais detalhes, algo físico ou comportamental. Chamava-se genericamente de ¨neguinho¨.
Mudamos de assunto repentinamente, reaparecem dois dos trigêmeos, meninos de rua, que viviam se drogando na área do mercado. Pensávamos que estavam presos ou pior, mortos. Para a surpresa de todos, nenhum dos dois. Participavam de um programa de educação produtiva em uma cidade do interior. Livres da droga, vivendo uma vida saudável e no caminho certo da reabilitação. Entusiastas compraram um CD musical com a participação dos meninos, produzido pelos patrocinadores do projeto.
¨Papai¨, uma voz conhecida nos chamou. Leonardo, mão estendida, aproximou-se pedindo dinheiro pra comprar ¨peinha¨ (pele de carne) para comer. Oferecemos frutas e pão, declinou. Curioso, aí veio a grande revelação: as crianças comem a pele frita com ¨burrinhos¨, pequenas garrafas de cachaça adocicada com mel e se embriagavam diariamente com o produto… Nosso amigo Leonardo era um alcoólatra aos treze anos. Ninguém se preocupava, o vicio de Leonardo era rentável.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores