A eleição de Javier Milei como presidente da Argentina deixou seus apoiadores entusiasmados, mas também preocupou aqueles que têm receios quanto às suas inclinações autoritárias. Ele é um outsider político da extrema-direita e se autodenomina “anarco-capitalista”. Suas propostas radicais, como a abolição do Banco Central nacional e da moeda, geraram questionamentos sobre sua viabilidade do seu programa entre economistas. Torna-se evidente que o sucesso de seu governo dependerá de sua capacidade de fazer compromissos, uma vez que ele não tem um partido real, maioria no Legislativo ou experiência administrativa.
A Argentina tem sido frequentemente afetada por crises cíclicas, que muitos atribuem ao populismo. Especialistas do Fundo Monetário Internacional afirmam que o país gasta mais do que possui e depende das flutuações dos mercados internacionais de commodities, sem se preparar para momentos de baixa. Os argentinos têm adotado um fatalismo generalizado em relação às crises, medo de encontro com o passado com momentos breves de esperança. Milei promete ser diferente, acredita que o país foi prejudicado por políticas intervencionistas, embora suas opiniões não sejam originais, governos anteriores já tentaram desregulamentar a economia, mas isso resultou em crises econômicas devastadoras.
Pesquisas indicam que muitos eleitores de Milei não compartilham suas opiniões e não acreditam em suas propostas. Houve uma inclinação para a direita é certo, mas não se pode afirmar que a sociedade se tornou fascista ou inflexível ideologicamente. Segundo várias pesquisas, muitos de seus eleitores rejeitam a posse livre de armas, a venda de órgãos, a privatização de empresas estatais e defendem a saúde e a educação públicas.
No Congresso Nacional, a coalizão governista terá menos de 40 cadeiras na Câmara dos Deputados e apenas sete senadores. Governadores provinciais desempenham um papel importante nas negociações parlamentares, oferecendo votos em troca de subsídios federais ou obras públicas para seus distritos, tarefa difícil de realizar, sem contar sequer com um governador. Propostas de eliminar esses benefícios e interromper as obras públicas, podem provocar um problema quase insuperável de governança podendo incluir a corrupção generalizada, falta de transparência, desigualdades econômicas e sociais, falta de participação dos cidadãos.
O novo presidente está anunciando medidas drásticas a partir de 11 de dezembro, incluindo uma mega desvalorização e hiperinflação. Há dúvidas sobre o pagamento do décimo terceiro salário e as medidas econômicas resultarão em queda da atividade econômica, do emprego, dos salários e das condições de vida da maioria da população. Isso pode representar o fim prematuro da tradicional lua de mel e trégua política com setores da sociedade civil organizada, a grande mídia e a elite política.
Evidentemente, Milei tentará implementar um programa que já falhou duas vezes em um país acostumado a derrubar presidentes, que não cumprem suas promessas. É incerto se o novo presidente e suas propostas poderão sobreviver juntos, seja por meio de um processo de impeachment ou pelo voto popular. Hoje, as maiorias eleitorais são mutáveis e cada vez mais voláteis. Boric venceu o segundo turno e, após um ano, perdeu o plebiscito constitucional. Trump e Bolsonaro falharam em suas tentativas de reeleição. Lasso teve que antecipar as eleições em dois anos e nem conseguiu ser candidato. Como diz a famosa canção de Mercedes Sosa, “cambia todo cambia”, assim funciona a democracia.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores