Kawaguchiko a Mishima: Entre a Névoa, o Grito e a Revelação

Photo by Palmarí H. de Lucena
Kawaguchiko a Mishima: Entre a Névoa, o Grito e a Revelação

Era para ser um encontro solene desde o primeiro instante — o Monte Fuji refletido nas águas calmas do Lago Kawaguchi, como um poema escrito entre espelho e céu. Mas o Japão, sábio como os velhos monges das montanhas, ensinou-nos logo de início que a beleza, quando verdadeira, nunca se apressa.

No primeiro dia, a chuva lavou as promessas e calou os cartões-postais. No segundo, o nevoeiro, espesso como silêncio de mosteiro, escondeu a montanha sob véus de algodão. Restou-nos esperar — e caminhar.

Transformamos o entorno do lago em templo provisório. Mesmo encharcadas, as cerejeiras insistiam em florir. Os cafés ofereciam calor e contemplação. E as águas, mesmo órfãs do Fuji, sabiam ser belas. No subterrâneo, buscamos luz: visitamos o Museu das Gemas. Foi ali, entre vitrines brilhantes, que o Brasil ressurgiu. Descobrimos que quase oitenta por cento das pedras — rubis, esmeraldas, águas-marinhas — tinham origem brasileira. Mas foi a turmalina Paraíba, com sua cor de mar sonhado, que nos tirou o fôlego. Brilhava mais do que todas, como se trouxesse consigo o sol do Nordeste.

Com fé e resignação, seguimos pela linha vermelha, que circunda o lago em paradas numeradas como orações. Aprendemos que a parada 5, no Music Forest, e a parada 20, em Oishi Park, são os melhores pontos de observação — quando o Fuji consente. No nosso caso, só molduras: o quadro permanecia em branco.

Até que, ao fim da tarde, já a caminho da estação, ele surgiu. O cume nevado emergiu das nuvens como quem agradece pela paciência dos que esperam em silêncio. Fizemos fotos, claro. Mas o que os olhos captam, o coração registra melhor. O Fuji se revelou quando já não o exigíamos — apenas o desejávamos. Como tudo o que é verdadeiramente sagrado.

Partimos de ônibus rumo a Mishima, proximo à janela, continuei a contemplar. Foi então que vi — não o Fuji, mas o que os homens fizeram ao seu redor: Fuji-Q Highland, uma explosão de aço, cor e gritos. Montanhas-russas entrelaçadas como serpentes metálicas dançavam aos pés do gigante adormecido. Era um santuário moderno, onde o medo e a alegria dividem o mesmo assento.

Lá estava o Fujiyama, esguio como um desafio lançado ao céu. E ao lado, a vertiginosa Eejanaika, girando corpos em todas as direções como folhas ao vento. A Takabisha, com sua queda de 121°, parecia rasgar o céu — uma vírgula desenhada entre loucura e riso. Vi também o discreto prédio do Haunted Hospital, onde o susto é arte, e a alegre paleta de cores de Thomas Land, refúgio dos pequenos.

Por fim, ergueu-se no horizonte o perfil solene do EVA-01, guardião do universo de Evangelion World. Era como se anime e eternidade disputassem espaço diante do Fuji — e perdessem, juntos, para sua silenciosa grandiosidade.

O parque foi desaparecendo atrás de pinheiros. O céu tingia-se de dourado e lilás. Fechei os olhos por um instante. No escuro da pálpebra, o Japão seguia vivo — no grito que vira lembrança, na pedra que vira luz, e na montanha que, enfim, decidira nos ver.

Palmarí H. de Lucena