A viagem começou com o sussurro do shinkansen — flecha de aço e silêncio — deslizando pelos trilhos do Japão com a leveza de um ideograma bem traçado. Pelas janelas largas, as paisagens se diluíam como aquarelas em fuga, entre arrozais orvalhados, vilarejos que piscavam como lembranças e montanhas que passavam como pensamentos apressados. Dentro do vagão, o mundo desacelerava. O silêncio era quase ritual. E no conforto macio dos assentos, florescia uma emoção serena: a de estar a caminho de Kanazawa, onde o tempo se curva diante da beleza.
O nome Kenrokuen — jardim das seis perfeições — já carregava a poesia de um destino encantado. Mas nenhuma promessa alcança o que se sente ao cruzar seus limites. Do táxi que serpenteava entre ruas elegantes, bastou seguir as indicações do motorista e o próprio coração. Ao longe, o sussurro do vento misturava-se ao desenho da arquitetura que harmoniza o antigo e o novo, como se a cidade toda respirasse em dois tempos. Foi então que surgiram elas — as cerejeiras em flor, enfileiradas como se bordassem um caminho suspenso. Um corredor de pétalas flutuantes, onde cada passo era um mergulho na contemplação.
Dentro do jardim, o tempo esquece a pressa. Os espelhos d’água devolvem ao céu sua face mais serena. Carpas navegam devagar, e pinheiros podados por gerações exibem curvas que parecem saídas de um sonho zen. O Kenrokuen é mais do que paisagem — é um estado de espírito. Um lugar onde a natureza e a arte se abraçam em silêncio, ensinando que a beleza não grita: sussurra.
Ao longo dos caminhos de cascalho, lanternas de pedra velam o percurso como memórias acesas. Quando a noite cai, elas acendem uma luz morna — quase espiritual — guiando não os pés, mas os pensamentos.
Mas Kanazawa não é apenas jardim. Em cada esquina, o brilho sutil da folha de ouro ressurge: em doces que parecem joias, em cerâmicas que encantam pelo detalhe, em telas e até no café que cintila sob a luz da manhã. O ouro, aqui, não ostenta — reverencia. Celebra a paciência, o ofício, a delicadeza do gesto.
E foi nesse encontro entre a velocidade do trem e a lentidão do jardim, entre o aço do shinkansen e a leveza de uma pétala, que Kanazawa revelou sua alma: uma cidade onde viver devagar é um luxo, e onde caminhar sob cerejeiras em flor é mais do que um passeio — é um agradecimento à própria vida.
Palmarí H. de Lucena