Pequeno prédio da sede da filarmônica. Fachada pintada em amarelo ocre, decorada por uma enorme lira negra com o nome do seu fundador, Honório Maciel. Sons difusos de vários instrumentos musicais escapando pelas janelas, anunciavam o começo de uma aula ou de um ensaio. Estrutura pouco pretenciosa, o imóvel passaria despercebido não fosse pela monotonia arquitetônica das casas ao longo da avenida principal. Igreja matriz imponente e exposta a todos os olhos da cidade. Pessoas nas portas e janelas observando o vai-e-vem de um pequeno grupo de visitantes. Diferentes classes sociais morando lado-a-lado na proximidade do epicentro da cultura municipal, solo fértil para um demógrafo do IBGE.
A carência de meios de sustentação econômica e o cotidiano mormacento do Seridó do Rio Grande do Norte ofereciam poucas oportunidades de progresso individual ou coletivo. Integridade da trilha da memória histórica preservada pelo respeito e zelo às tradições culturais. Lembravam ou sabiam algo sobre os músicos até mesmo os mais antigos, a orquestra havia marcado presença em todos os momentos importantes da história da cidade, por quase um século.
Mural com os nomes dos beneméritos da agrupação musical, fundadores, maestros e músicos. Um deles, João Emídio, identificado como o responsável pela construção da sede em 1934. Estávamos diante da gênese do legado do homem que conhecíamos como Pai, Tenente Lucena para o resto do mundo. Descobrira sua vocação e compromisso com a universalidade da música primeiro como corneteiro, depois trombonista. Diziam na cidade que ele subira a torre da igreja para observar e alertar a população com seu instrumento, sobre o avanço de um bando de cangaceiros. Visitamos a sua casa, imaginamos a pequena sala mobiliada minimamente: estante de madeira, partituras musicais e seu instrumento, na cidade de São João do Sabugí.
Regressou para a Paraíba, a sua terra natal, em 1933, tornando-se um soldado voluntário na banda militar do Exército. Descobriu ao longo das marchas e dobrados, que seu verdadeiro talento era converter a música em um instrumento para humanizar a vida de crianças abandonadas e pessoas excluídas. O Esperanto musical criado pelo monge Guido d’Arezzo promovendo a convivência pacifica entre pessoas e culturas diversas. Encontrava a paz na beleza das vozes de um coral infantil, na pujança poeirenta de um coco de roda, ou na timidez singela de uma flauta de pífano. Ouvia música quando o seu metrônomo biológico parou…
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores