Investigando e julgando ex-líderes de democracias

Investigando e julgando ex-líderes de democracias

Ao examinar, mesmo superficialmente, o ecossistema da mídia direitista americana, qualquer pessoa pode pensar que chegamos aos fins dos tempos, com a operação de busca e apreensão na residência-clube do ex-presidente Donald Trump. Evento caracterizado pela Fox News como o “pior assalto a república nos tempos modernos.” Notável demonstração de miopia, seguida por bombásticas declarações de políticos direitistas, alegando que nem Trump, nem cidadãos comuns, estavam protegidos de serem alvos deste tipo de investigação, caracterizando o FBI como uma versão americana da Gestapo. Hipocrisia político-partidária acusando injustamente a administração do Presidente Biden de replicar atos ilegais de regimes autocráticos, apesar do mandado autorizando a operação em Mar-a-Lago, ser emitido por um Juiz Federal, como parte de uma investigação do manuseio e possessão ilegal de documentos confidenciais, alguns classificados como ultrassecretos, em vez de entregá-los aos Arquivo Nacional, como legalmente exigido. A história do poder executivo nos Estados Unidos é repleta de intrigas conspiratórias, trapaças e atos de corrupção, embora, poucos ex-presidentes foram responsabilizados por atos criminosos, que alegam haverem cometido. Nixon por exemplo, recebeu completo perdão poucas semanas depois de renunciar o cargo.

A maioria das democracias europeias proporcionam uma forma mais restrita de imunidade a chefes de governo ou do estado, o que não significa que suas sociedades sejam mais ou menos vulneráveis a predadores de elites políticas. Silvio Berlusconi, o autoritário ex-primeiro-ministro da Itália, foi eventualmente julgado e condenado por crimes tributários e pagamentos por sexo com uma prostituta menor de idade. Dez anos depois de perder imunidade presidencial, o ex-presidente francês Sarkozy teve sua mansão sujeita a busca e apreensão por autoridades locais, operação que resultou na condenação por tráfico de influência e corrupção. Seu sucessor, Jacques Chirac, sofreu as mesmas consequências por desvio de verbas públicas, em 2021.

Investigações de suposto delitos de ex-presidentes têm servido como prova de fogo para instituições democráticas. Na África do Sul, o julgamento do ex-presidente Zuma por atos de corrupção, foi visto como algo necessário ao fortalecimento da regra da lei no País, por outro lado, a investigação e condenação do ex-presidente Lula, transformou-se em um episódio irrevogavelmente contaminado por viés político, zelo de acusação excessivo e arbitrariedades processuais. Libertado da prisão por decisão da Suprema Corte, o político é candidato a Presidência do Brasil. Vários países asiáticos investigaram seus ex-mandatários. Em 2009, o ex-presidente taiwanês Shui-bian foi condenado a prisão perpetua, ele e sua esposa por desvio verbas e recebimento de propinas. A Coreia do Sul, uma das mais estáveis democracias da região, é a campeã mundial de prender ex-presidentes, em 2018 a metade de todos eles estavam na prisão. Apesar de um alto nível de polarização, o país conseguiu manter a ordem democrática pacificada.

Críticos de operações de busca e apreensão contra ex-presidentes nos Estados Unidos e outros países democráticos ignoram um contraexemplo obvio, é normal de democracias estáveis investigar, condenar e as vezes aprisionar seus ex-líderes, o princípio de que ninguém está acima da lei, é a pedra fundamental de todas as democracias. Impunidade é o maior inimigo da ordem democrática!

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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