Presenciamos uma tendência de usar duas palavras robustamente contraditórias, “impeachment” e “golpe”, como tarrafas ideológicas para acusar ou defender políticos sendo julgados em processos, que eventualmente poderiam terminar seus mandatos eletivos. Enquanto o impeachment é parte do arcabouço republicano, o golpe é a antítese do sistema de governança democrática. Apresar da diferença entre as duas ações e seus esperados resultados, políticos direitistas ou esquerdistas continuam embaralhando as cartas na mesa, declarando-se ora serem vitimas de um golpe transvestido em ritos de legalidade, ora defendendo ações inconstitucionais e práticas extrajudiciais impostas por estados de exceção à revelia do voto popular.

Opositores do impeachment de Donald Trump, apresentam uma faux narrativa questionando a legalidade de um processo, que além de prescrito na Constituição e devidamente fundamentado na prática democrática da separação e independência dos Três Poderes. Apresentado argumentos sem contestar a essência das denúncias aprovadas pela Câmara de Deputados, Trump usou o Twitter para descreditar o impeachment declarando que: “Quando percebo cada dia mais e mais, chego à conclusão de que o que está acontecendo não é um impeachment, é um golpe intencionado em tomar o poder do Povo.” Argumento usado por Dilma em 2016.

O dilema da democracia é antever o que acontece quando um dos Três Poderes deslegitima outro poder, sem violência ou através do resultando de um conflito aberto. Ações que podem não incorporar todas as características de um golpe de estado, embora criem a aparência de um golpe parcial. A obstrução agressiva da Casa Branca à supervisão do Poder Legislativo e ao processo de impeachment, combinados com a passividade e ineficácia do Congresso em defender sua função constitucional, têm como consequência imediata uma aparente tentativa gradual de controle intragovernamental e a sistemática desvalorização do sistema de pesos e contrapesos dos Três Poderes.

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores