Doutor Humberto Fuentes estava prestes a aposentar-se como professor de medicina. Motivava seus estudantes a prestar serviços a comunidades indígenas no interior do país. Mantendo-se convenientemente alheio aos eventos políticos. Cético sobre os rumores de que seus ex-estudantes haviam desaparecido possivelmente assassinados. Contra os conselhos dos seus filhos, decidiu embarcar em uma jornada em busca da verdade. Chegando ao interior do país, logo descobriu que “homens armados” usavam ameaças ou assassinatos para intimidar o povo. Violando direitos humanos, cometendo atos de violência contra a população indígena e pessoas que os ajudavam. Terror imperava no campo…
Pequeno grupo de pessoas, olhos colados na tela de uma televisão observavam os minutos finais de um vídeo. Silêncio glacial. O filme, “Hombres Armados”, dirigido por John Sayles. Descrevia acontecimentos em um país anônimo. Para nós, a Guatemala, onde estávamos. Momento déjà-vu… Ecos das palavras do Doutor Fuentes aos seus estudantes ressoavam na sala. “Nunca podemos salvar uma vida. Podemos fazê-la mais longa ou melhor, mas nunca salvá-la. Todos morrem no fim”…
Compartilhamos nossas experiências pessoais com a situação de violência na Guatemala. Caixa de Pandora aberta. Lembramos de um pedido inusitado, que havíamos recebido durante visitas a vários ambulatórios rurais da igreja católica. Necessitavam urgentemente capacitar novos técnicos de saúde, para substituir os que haviam desaparecido. Militares, guerrilheiros ou autônomos, homens armados, todos…
Expectativa e tensão. Catarse nacional e coletiva. “A Guatemala Memória do Silêncio” – relatório produzido pela Comissão para o Esclarecimento Histórico – havia cumprido sua meta. Expondo as violações de direitos humanos e atos de violência, tentativa de genocídio contra o povo Maia, com objetividade, equidade e imparcialidade. Conhecimento da verdade. Reconhecimento dos fatos históricos. Base sólida para o processo de reconciliação nacional. Aprendendo lições, evitando a repetição de erros…
Nuremberg, sentença do dia 1º de outubro de 1946. “Os crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por entidades abstratas”. Homens armados, sempre. Guatemala havia quebrado o silencio cúmplice…
Transformar o judiciário em um sistema eficaz e acessível, para promover a confiança do público e melhorar a coerência e a equidade na aplicação da lei, se fez necessário. Criando condições para a reconstrução social e fortalecimento do país, nos termos do Acordo de Paz. A Corte Suprema da Guatemala, com um programa de reforma de trinta e cinco milhões de dólares, financiado pelo Banco Mundial, nos convidou para servir de gestor como representantes da ONU.
Recebemos reivindicações de organismos da sociedade civil e do povo Maia, a respeito do desenho arquitetônico e da localização das salas de audiência dos tribunais. Propuseram desenhos representativos da cultura Maia. Edifícios de mármore com colunas greco-romanas e características de palácio europeu, valorizavam a cultura do colonizador. A estátua da Justiça era cega, cega porque nunca os havia visto como iguais. As leis serviam para oprimi-los, proteger seus opressores. Queriam uma demonstração de que o estado guatemalteco estava preparado para tratar a todos como cidadãos…
Tribunais redesenhados e construídos. Os homens armados ainda não haviam desaparecido totalmente. Crimes não ficariam impunes. A verdade curando a cegueira da Justiça…
Doutor Humberto Fuentes chegou a um vilarejo indígena, precisavam de um novo médico. Homens armados haviam assassinado o Doutor Cienfuegos. Perguntou ao informante, se havia visto a ocorrência. “Não, sou cego… Sabemos de tudo que se passa por aqui”, respondeu o homem.