Hidra do nacionalismo cristão

Hidra do nacionalismo cristão

Depois da decisão da Suprema Corte dos EUA de derrubar o precedente Roe vs Wade, que estabelecia o direito constitucional das mulheres à interrupção da gestação, o movimento nacionalista cristão vem crescendo robustamente, morfando-se em algo terrivelmente ameaçante ao futuro da democracia constitucional no mundo. A decisão não afastou religiosos autoritários de suas guerras culturais, enquanto saboreavam este grande triunfo. Contrariamente, líderes globais do movimento já estão se preparando para um novo e mais brutal assalto a direitos individuais e auto governança democrática. Quebrar a democracia americana ou de outros países para eles não é uma consequência não-intencional, é o proposito do projeto de poder dos movimentos político-teocratas.  

Novas tendências do movimento tornam-se evidentes à medida que seus ideais e ações são amalgamados na venenosa poção de bruxa, sendo capilarizada nos EUA e países com líderes autoritários da extrema direita, lapidando instituições republicanas deliberadamente. Retórica de violência destes líderes e seguidores, tem aumentado significativamente desde o ocaso do governo de Donald Trump. A “teologia de dominionismo” que pregam, lhes empoderam com a crença que cristãos de “pensamento correto”, tem um mandato biblicamente-correto de tomar controle de todos os aspectos do governo e da sociedade. Vitória do extremismo político na Corte Suprema, graças a composição de maioria conservadora, empoderou adeptos da teologia a declarar uma guerra santa contra todo e qualquer instituição do estado democrático, que possa ser descaracterizado como anticristã, esquerdista, em casos mais extremos, como obra do Capeta ou de algum ente mais sinistro.

Não é exagero conectar o aumento de agressões física ou verbal a campanhas de desinformação, para doutrinar a base cristã nacionalista, alimentando mentiras sobre a lisura de eleições democráticas ou sistemas usados para assegurar o direito irrestrito ao voto, parte de uma estratégia direitista de assegurar a chegada ou permanência no poder de líderes de tendência antidemocrática. A retórica do movimento é cheia de visões de justiça de vigilantes, homens de bem com armas na mão assegurando os direitos daqueles de pensamento correto. É um engano caracterizar nacionalismo cristão com finalidade de satisfazer as necessidades de suas bases, por ser dirigido por líderes que constroem agendas pragmáticas, muitas vezes amorais, cujo objetivo principal é acesso ao poder e verbas do Erário.  

Inserção de teocracia política na campanha presidencial, a deliberada manipulação de verbas públicas em favor de políticos de viés religioso, estimula distorções e brechas para emendas constitucionais ou projetos de lei derrubando direitos individuais garantidos por leis do estado laico, promovendo uma sociedade onde o governo de uma minoria religiosa pode subestimar ou suprimir direitos da maioria, criando obstáculos irracionais para o desenvolvimento socioeconômico, inclusão de mulheres e minorias raciais na sociedade. É importante manter-nos vigilantes sobre o crescimento de movimentos religiosos antidemocráticos, expondo o canto da sereia do retrocesso social, penetrando a blindagem pseudorreligiosa daqueles que propõem a posse de armas de fogo como sinônimo de liberdade e estimulam ameaças a lei e ordem, apoiados cinicamente com uma piscadela cúmplice de um Governo pouco preocupado com a preservação de direitos humanos.

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

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