O Haiti encontrava-se imerso em disfunção política e econômica, mesmo antes do terremoto de 12 de Janeiro. Após receber mais de cinco bilhões de dólares de ajuda externa, acumulados nos últimos vinte anos, sem nenhuma evidencia palpável de melhorias na governança do país ou no bem estar do povo haitiano. Como e quando reconstruir o Haiti é o grande dilema da comunidade internacional. Uns argumentam que agora é o momento certo da reconstrução, sob a liderança do governo e da sociedade civil haitiana. Outros sugerem que nada significativo ou sustentável poderá acontecer enquanto o país não estiver sob a tutela de um organismo das Nações Unidas.
Baseando-nos na nossa experiência na chefia da Divisão para a América Latina e o Caribe, da instituição responsável pela execução de projetos da ONU no Haiti, consideramos uma terceira alternativa. A melhor opção para a reconstrução nacional seria uma espécie de Plano Marshall, uma parceria entre o Governo e a sociedade civil do Haiti e um organismo internacional formado por doadores bilaterais e multilaterais, coordenados pelas Nações Unidas. Seria a forma mais transparente e eficaz de assegurar a formação de capacidade institucional em todos os níveis do governo; eliminando ou pelo menos mitigando o impacto de práticas corruptas na aplicação dos recursos; promovendo a participação de todas as partes interessadas no programa, desde a criação até a conclusão dos projetos.
Outro grande desafio reside no período de dez anos, estimado para a reconstrução nacional. Sabemos que qualquer mudança na liderança política de um país doador, poderia ter um efeito negativo sobre o apoio político e financeiro ao Governo do Haiti. Duas condições importantes, “fatiga de compaixão” e “calafrio de missão”, costumam aparecer em menos tempo. De 1993 a 2004, concluímos vários projetos importantes. Reorganizamos e treinamos uma nova força policial; organizamos o sistema eleitoral e duas eleições nacionais; reconstruímos a rede penitenciária nacional; elaboramos o plano nacional de turismo, criamos um sistema de gestão para a presidência e ministérios, e equipamos os hospitais provinciais. Os mesmos projetos figuram na lista do programa de reconstrução atual, alguns pela terceira vez…
A repetição de experiências dos últimos trinta anos é real e antecipada por partidos conservadores nos países doadores. Tornado-se mais real ainda, enquanto a comunidade internacional insistir em tratar dos problemas do Haiti de uma forma tutelar: usando capacidade técnica estrangeira em todos os aspectos de um projeto, mesmo no nível mais elementar de competência. A diáspora haitiana possui um contingente apreciável de profissionais e experts treinados nos Estado Unidos e na Europa. Eles podem e devem ser envolvidos como executores, mentores e monitores em qualquer programa de reconstrução nacional. A impotência da sociedade civil e a corrupção que prevalece no setor público são as duas principais razões pelas quais poucos programas de desenvolvimento tiveram êxito, nos últimos trinta anos. Chegou a hora de mudar de estratégia e táticas.
O povo haitiano sofre de um conflito de emoções sobre a situação de penúria em que se encontram. Expressam gratidão e respeito por àqueles que estão ajudando. E se preocupam constantemente com a falta de competência e credibilidade do governo de planejar e executar a reconstrução nacional com um programa do alcance, eficácia e complexidade compatível com a gravidade e a urgência da situação. O sentimento popular é que a única maneira de assegurar resultados sustentáveis é promover a participação massiva da população na resolução dos problemas nacionais, independentemente da fonte de financiamento ou circunstâncias do momento. Reconstrução não pode ser vista ou considerada fora do contexto da democratização das instituições nacionais.
Haiti 2010