A recente onda de eventos tumultuosos no Haiti – o assassinato do presidente Jovenal Moïse, seguido pela renúncia de seu substituto e a ascensão das gangues armadas que agora dominam a maior parte da capital – ressalta uma vez mais a crise política profunda que assola a nação caribenha. Este trágico desenrolar não apenas destaca os desafios enfrentados pelo Haiti, mas também suscita questionamentos sobre o legado deixado pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), liderada pelo Exército Brasileiro. Inicialmente concebida como uma operação emergencial de seis meses, a Minustah acabou por estender-se por oito anos, a um custo alarmante de quase R$ 2 bilhões.
A intervenção militar brasileira no Haiti, iniciada em 2004 como parte da estratégia do governo Lula para obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, gerou gastos que ultrapassaram em mais de seis vezes o orçamento destinado à Força. O Ministério da Defesa justificou tais despesas como “um estímulo à indústria militar brasileira e uma oportunidade para projetar a imagem do Brasil internacionalmente”.
Apesar das tentativas do Exército Brasileiro de retratar sua atuação como um modelo de intervenção focado na pacificação social, grande parte da população haitiana considera a presença da Minustah uma catástrofe que falhou em trazer estabilidade política e social. A intervenção estrangeira, longe de estabilizar a situação, muitas vezes exacerbou as tensões locais e gerou ressentimento entre os haitianos, que se sentiram ocupados e subjugados.
Essas preocupações sobre o legado da Minustah lançam luz sobre a responsabilidade das potências globais em crises internacionais e a eficácia de intervenções militares estrangeiras em nações fragilizadas. O exemplo do Haiti demonstra como tais intervenções, mesmo com intenções nobres e apoio do Conselho de Segurança da ONU, podem resultar em consequências desastrosas quando ignoram a realidade local e as necessidades da população afetada, muitas vezes priorizando seus próprios interesses econômicos e políticos sobre o bem-estar das pessoas.
Ironicamente, os maiores beneficiários do caos haitiano são os mais de dois milhões de seus cidadãos que optaram por buscar refúgio em outros países, mesmo enfrentando condições precárias. Essa diáspora contribui significativamente para a economia haitiana, enviando mais de um bilhão de dólares para casa anualmente e evitando um colapso total.
Apesar dos esforços da comunidade internacional, a situação do Haiti continua frágil e vulnerável. O terremoto devastador de 2010 trouxe uma onda de atenção, mas o interesse diminuiu ao longo do tempo, deixando o país à mercê de sua própria sorte. Milhões de haitianos vivem na pobreza, sujeitos a condições desumanas.
Diante desse cenário, é crucial refletir sobre como a comunidade internacional pode melhor apoiar nações em crise, priorizando abordagens diplomáticas, desenvolvimento sustentável e fortalecimento das instituições locais. Somente com uma abordagem mais holística e centrada nas necessidades do povo haitiano, podemos esperar construir um futuro mais estável e próspero para o país, evitando repetir os erros do passado.
Palmarí H de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores