Para norte-americanos, o que fizerem as cenas de violência e destruição em Brasília tão profundamente chocantes, é o fato que este tipo de ação antidemocrática teve sua gênese em Washington D.C., em 06 de janeiro de 2021. Naquela ocasião, em vez de servir como um modelo de democracia, os Estados Unidos deram ao mundo lições sobre como rejeitar resultados eleitorais, de transformar desapontamento popular em explosões de niilismo e fúria. Tornando-se impossível observar a destruição de dependências públicas e memorabília histórica na Praça dos Três Poderes de Brasília, sem traçar paralelos com os acontecimentos do Capitólio. Episódios antidemocráticos, após derrotas eleitorais de candidatos presidenciais da extrema direita.
Ambos os eventos envolveram sofisticado grau de planejamento e organização, em apoio a subsequente profanação de símbolos sagrados da identidade e orgulho nacional, após enfrentamento com forças de segurança em desvantagem numérica, poucos lutando em vão para manter a paz. No Brasil, alega-se flagrante conivência das forças de segurança e do próprio governo do Distrito Federal.
Existem algumas diferenças, Trump ainda era o presidente quando instigou seus seguidores mais aguerridos a fazerem-se presentes em Washington e marchar para o Capitólio, enquanto assistia o desfecho da insurreição que provocara, no conforto de seu gabinete. Contrariamente, Jair Bolsonaro, o “mini-me” de Trump, ausentou-se da função presidencial um dia antes do fim do mandato, partindo abruptamente para Florida, após recusar-se a participar da posse do seu sucessor, onde foi visto publicamente pela primeira vez, saboreando as delícias do Kentucky Fried Chicken.
Selvageria sem precedentes em Brasília e Washington foi inspirada por inescrupulosos e cínicos líderes, que construíram um legião de seguidores fanáticos, inflamando seus mais atávicos medos e ressentimentos. Em vez de unir, investiram em causar divisões profundas, só respeitando as normas democráticas quando os resultados eleitorais foram em seu favor, causando aumento em polarização política e o enfraquecimento de valores e tradições que solidificam sociedades democráticas.
Edifícios danificados e desonrados por golpistas e desordeiros da Praça dos Três Poderes em Brasília, desenhados pelo mais famoso arquiteto do Brasil, Oscar Niemeyer, são ou foram manifestação da crença no destino e grandeza do País. Tanto Presidente Biden sabe, como Lula saberá, que é muito mais fácil restaurar estruturas icônicas que renovar o sentido de nacionalidade comum que representam. Torna-se mais difícil, realizar o sonho dourado de Juscelino Kubistchek: “[…] Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.”
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores