Globalização do medo

Globalizado pela exaltação midiática, Ebola converteu-se no pôster de uma campanha de prevenção: informações arrepiantes e lendas urbanas transformando o preconceito em medo e o medo em preconceito. Ambulatórios e hospitais recusando atender pessoas com aparência ou vestimenta africana, demanda de quarentena para todas as pessoas que transitaram em áreas endêmicas, passageiros recusando-se a embarcar em aeronaves com africanos ou procedentes da África. Paradoxalmente, os sempre-disponíveis demagogos da miséria e celebridades exaltando organizações humanitárias e competindo na captação de donativos, muitos sem observar critérios mínimos do uso de recursos financeiros e materiais de uma maneira eficiente e sustentável. Desventurados da terra, os Africanos são sempre um bom veículo para expiar sentimentos de culpa nutridos pela tendência ao assistencialismo da tradição judaico-cristã, a vergonhosa trajetória do trafico escravagista e séculos de colonialismo europeu.

Críticos acusando pessoas de comportamento histérico, externando reações desproporcionais aos riscos comprovados cientificamente, embora considerados verdadeiros. Medo não é provocado singularmente pelo fator risco, a alienação das pessoas dimensiona e nutre sentimentos de perigo iminente. Apesar do progresso tecnológico, vivemos hoje em uma sociedade segmentada. Pessoas separadas pelo aumento da distancia entre classes sociais, desconfiadas das lideranças, sejam elas políticas, empresariais ou científicas. Elas não dão crédito aos ocupantes de posições de autoridade ou confiam em suas intenções. Nas últimas décadas, testemunhamos um aumento pernicioso na distância entre as classes sociais, tendência manifestada pelas poucas possibilidades de uniões, interações ou associações de níveis ou padrões de vida dissimilares.

Ebola é a encarnação biológica do medo e suspeição atribuídas ao fenômeno da globalização, força misteriosa, crescendo incontrolavelmente em lugares distantes, capaz de invadir as ilhas de isolamento em que vivemos. Medo existencial diferente daquele que sentimos na flor da pele. Fronteiras porosas e autoridades nacionais parecendo incompetentes quando nossa segurança é comprometida por uma ameaça que mal entendemos. Ebola é um adversário traiçoeiro que invade as fraquezas do nosso organismo, pior ainda, ele floresce espalhando terror pelas falhas e fissuras do nosso tecido cultural.

Palmarí H. de Lucena e membro da União Brasileira de Escritores