Fofinho, o gladiador

Homem vestido de preto. Pés levemente afastados, compleição hercúlea bem proporcionada, porte elegante. Olhos intensamente sonolentos e fixos na rua em frente ao restaurante. Um jacaré flutuando ao sabor da correnteza perigosa. Movia-se com passos sutis, desenhando gatafunhos na calçada. Gesto afável e sorriso tímido saudavam os clientes que se aproximavam. Sabíamos pouco sobre Júnior, um guarda de segurança tão genérico como o seu nome. Trocávamos poucas palavras: saudações e agradecimentos.

Pequeno momento de familiaridade. Antecipando-se a uma pergunta sobre o evidente hematoma facial, fez uma longa explicação sobre o que acontecera. Lutador profissional de artes marciais mistas, chamava-se de combatente esportivo. Atingido por um pé do adversário em um momento de desatenção, vencera a luta por nocaute, o adversário passou dois dias no Hospital de Emergência e Trauma. Riscos do oficio. Portas abertas para novos combates, alguns no exterior. Revelou então, que seu nome profissional era Fofinho, nome de guerra incomum para alguém que profissionalizara sua força física.

Passaram-se meses, mais encontros com Fofinho. Rosto cansado, mostrando os rigores dos combates e de dois turnos de trabalho. Nocauteado depois de sua grande vitória, as viagens desapareceram dos planos. Preparava-se para futuras lutas, mantinha boa forma física. Gostava de falar sobre as peripécias e os triunfos dos grandes combatentes brasileiros da UFC: Pezão, Anderson, Antônio Silva, Wanderlei Silva e dos seus adversários estrangeiros. Comentários profissionais, sugerindo uma intimidade privilegiada com os colegas.

Veio ao nosso encontro com um sorriso amplo, algo bom havia acontecido: Fofinho obtivera um lugar em uma serie de combates que estavam sendo organizados. Sonhando com novos combates, prometendo um DVD e parafernália das suas vitórias. Tínhamos diante de nós um gladiador, foi o nosso último encontro.

Página de um blog mostrando um corpo junto a uma moto, o nome da vitima quase sempre despercebido. Fato comum na cidade, tão comum quanto sua morte. A frequência dos eventos, o anonimato escondido nos capacetes e a classe social das vítimas as transformam em meras estatísticas. Vítima da imprudência, da falta de proteção e do cansaço, Fofinho, o gladiador, não era mais…

Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores