Quase meia década de mudanças bruscas, a democracia ocidental parecia estar à beira de um descontrole total, falhas profundas mutilando o panorama político, degastado pela sanha de narrativas extremistas, resumidas em 140 caracteres nas mídias sociais. Populismo grosseiro, apitos de cão fomentando intolerância, desidratando civilidade, dando vênia a condutas violentas. Desastrosos lockdowns do corona vírus, exacerbados por teorias de conspiração, negacionismo, absurdos e constantes falsidades. Sediciosas tentativas de lapidar processos eleitorais do estado democrático, acompanhados de um coro grego de extremistas demandando a permanência incontestada no poder, de políticos autoritários, gurus do anticonstitucionalismo castrense.
Milhares de pessoas se comportaram como se houvesse algo sustentável em autocracias, acreditando que nelas tudo é simplesmente ordenado a acontecer, sem perturbação ou desvios devido a críticas, morosidade judicial ou interferência da sociedade civil. Após o terceiro aniversario da pandemia da covid-19, a falácia de que autocracia é um contrato social superior está desmoronando. Próximo ao ocaso de 2022, o mundo é um lugar mais saudável, o consentimento cidadão prospera e o retorno ao debate promete nos redimir dos efeitos nocivos das tentativas de suprimir direitos civis, políticas públicas em prol da cidadania e bem-estar social.
A pandemia causou estresse econômica e emocional em todas as sociedades, provocando cidadãos a serem menos tolerantes de administradores incompetentes, negativismo, demagogia política, aparelhamento do poder público e dogmas ultrapassados. No Reino Unido, ejetaram dois primeiros-ministros devido a deslizes de conduta e incompetência, mesmo após vencer uma acachapante vitória nas eleições passadas. Consequências socioeconômicas da pandemia, também são o pano de fundo de ofuscantes fracassos de autocratas nos Estados Unidos, Brasil, também ponto de partida para movimentos da sociedade civil desafiando aiatolás, ditadores e potentados.
Era Trump criou um espaço seguro para autocratas prosperar no cenário global. Enquanto tentava colocar a América como “First”, o poderoso mandatário cultivou relações pessoais e amistosas com líderes autocráticos na Coreia do Norte, Rússia e uma camarilha de políticos eleitos democraticamente, cujo afã de permanecerem no poder incentivaram a adoção de práticas antidemocráticas, ataques as instituições, tentativas de desmantelar processos eleitorais e demonização de valores culturais. Covid-19 tornou-se uma espécie de “anjo vingador”, expondo a bagunça criada por governantes autoritários e seus acólitos, insensíveis ao sofrimento do povo e a crescente situação de miséria e abandono dos mais vulneráveis da sociedade.
Retornamos no dia primeiro de janeiro a corrida em busca da esperança, que se tornou inviável nos últimos quatro anos, não começaremos no “pole position”. Assumiremos a hercúlea tarefa de reconstruir instituições, reformar o arcabouço financeiro, criar um genuíno e sustentável bem-estar social, mitigar efeitos de desastres naturais, coibir comportamentos inadequados contra mulheres, minorias e crianças. Retornaremos a convivência democrática impossibilitada por fakenews, desinformação e narrativas desagregadoras. Feliz Ano Novo democracia!
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores