Trocamos nosso sonho de viagens transoceânicas como aprendiz de marinheiro, pela atmosfera de panela de pressão da redação de um jornal. Entregando textos, fazendo mandados e servindo cafezinho, havíamos conseguido um emprego de mensageiro no Correio da Paraíba. Começaríamos no mesmo dia com outro jovem, chamava-se Biu Ramos, havia sido contratado como datilógrafo. Éramos de Jaguaribe, fato confortante no meio do turbilhão das vozes de estranhos e o ra-ta-ta-ta-ta das máquinas datilográficas.
Mensageiro!!! Alguém chamava, sempre alguém. Levava ou trazia algo da redação para os linotipistas. Máquinas vomitando blocos de texto, calor infernal, mesmerizavam-nos. Pura magia. Tabletes de uma nova Babilônia, gravados em metal quente. Desfrutávamos nossos momentos na sala das linotipos, seduzidos irremediavelmente pela“doce música mecânica” que tanto encantou a Fernando Pessoa.
Biu Ramos curvado sobre a máquina datilográfica, textos ditados pelo Dr. Falcone, ditados como se ele estivesse falando diante de uma audiência. Pausava momentaneamente, como se degustasse o som de sua voz ou alguma metáfora escondida em uma das suas crônicas. A agilidade do novo colega e a facilidade com a qual ele absorvia as palavras do ilustre cronista eram motivo de admiração, até inveja, entre as tribos que habitavam a redação.
Seu Expedito, o chefe da redação, gostava de café bem passado, acompanhado por um cigarro, fumando como se fosse seu último trago. Comandava um grupo diverso, às vezes conflitivo, cuja paixão pelos fatos e palavras superava quaisquer desentendimentos. Prisioneiros da noite, tosse rouca e olhos vermelhos, partes da paisagem solitária da redação, libertados pelos pensamento que fluíam noite afora. Como se fosse o comandante de um navio, Dr. Teotônio Neto inspecionava sua criação de popa a proa. Respeitado como empresário, havia criado junto com o intelectual Afonso Pereira, um periódico que diversificara e inovara a imprensa paraibana.
Voltamos a partilhar dos sonhos e projetos do Dr. Teotônio, quase seis décadas depois, escrevendo crônicas para a página de opinião do jornal que despertou nossa paixão pela palavra escrita. Os linotipos silenciaram, a redação tornou-se anti-séptica, acalentada pelo por ruído branco da modernidade, transformando-se uma Babilônia de telas de computadores. Correio da Paraiba morreu vitima da revolução digital, está semana perdemos seu criador. Viaje em paz Dr Teotonio, boas leituras…
Palmarí H. de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores (U.B.E.)