Era do autoritarismo cultural

Era do autoritarismo cultural

Estamos atravessando uma ameaçante era de autoritarismo cultural, promovido contraditoriamente por governantes e legisladores que chegaram ao poder através de certames eleitorais democráticos. Políticas públicas estão sendo embebidas de transgressões de valores democráticos, desvalorização da crença na liberdade individual, compromisso com a tolerância, direitos civis e consciência, valores consistentes com uma sociedade laica e democrática. 

Tendência ao autoritarismo cultural é um fenômeno que não deve nem pode ser caracterizado equivocamente, como uma nuança de guerras culturais de longo alcance. Estratégia espelhada na autoproclamada “democracia iliberal” do Primeiro-Ministro da Hungria Viktor Orban, adotada por políticos da extrema direita dos Estados Unidos, Europa Central, Ásia e no caso do Brasil, por Jair Bolsonaro e familiares, também visitantes assíduos do político húngaro. Encontros entre Vladimir Putin, Viktor Orban e o presidente brasileiro no prelúdio da invasão Russa da Ucrânia, não foram uma mera coincidência histórica, os três são irmãos de armas na guerra contra valores liberais. 

 “Democracia iliberal” é um termo apropriado, tanto na Hungria como na maioria de países e estados norte-americanos governados por republicanos, onde a maioria dos eleitores colocaram políticos de tendência iliberal no poder. Orban demonstrou que abordagem hostil contra ideias e discursos de opositores, apimentada com posições radicais sobre temas sociais, que não se enquadram em “valores cristãos tradicionais” e fake news, podem ser bem sucedidas para manter-se no poder e assegurar que os direitos e dignidade dos vencidos possam ser atropelados ou simplesmente ignorados. 

No caso do Brasil, no entretanto, estamos sendo tragados por uma crise institucional de consequências imprevisíveis, atiçada por narrativas antidemocráticas e a toxidade do autoritarismo cultural do Presidente Bolsonaro e apoiadores, cuja principal motivação aparenta ser descreditar ou enfraquecer as mesmas instituições e instrumentos constitucionais, que asseguraram sua ascensão ao poder, sem interferência das forças armadas. Hoje perigosamente empoderados por narrativas anticonstitucionais e tentativas de usá-las para alavancar a participação inconstitucional de militares na certificação de resultados eleitorais, função definida na Constituição de 1988, como parte do escopo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a instância máxima da justiça eleitoral brasileira. 

Democracia é um processo que além de produzir vencedores e perdedores, garante que perdedores não são humilhados, que seus direitos a permanecer no processo e participar na sociedade não sejam revogados. É um pacto frágil. Durante o período eleitoral, candidatos acusam uns ao outros, abusam de hipérbole para descrever suas competências e feitos, chegam até a sugerir que a alma da nação está em perigo, se seus opositores ganharem. Eventualmente, os votos são tabulados, vencedores declarados.  O pacto frágil faz exigências estritas: os que perderam devem conceder a vitória aos seus oponentes, em troca, os ganhadores devem demionstrar equanimidade e temperança no tratamento dos que perderam. É assim que funciona uma democracia!

Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores

Deixe um comentário

Seu endereço de email não será revelado.