Chovia torrencialmente, entupindo os esgotos, alagando as ruas. Prelúdio de um dia pouco promissor. Mais um agravante: estávamos na última semana do mês, pouco dinheiro na praça. Dois feirantes conversavam na calçada. Só compraram meia lata até agora, o dia está péssimo, comentou a mulher enquanto debulhava feijão-verde. Um saco de 34 quilos de vagens só deu nove quilos de feijão. Comiserando-se sobre a qualidade inferior do produto com o vendedor de alho. Encolhendo os ombros em atitude de desânimo, o homem concentrou-se em comer seu lanche. Parecia ter fome. Dezoito anos, o mesmo ritual. Retirou de uma caixa de papelão cabeças de alho de todos os tipos e tamanhos a serem vendidas em pequenos sacos plásticos. Organizou o produto em fileiras no seu tabuleiro de ambulante. Pronto para as suas rondas diárias pelo mercado e ruas da vizinhança, por duas horas. Olhou o relógio na parede da banca do bicho; estava atrasado devido à chuva. Primeira venda do dia, pagamos quatro reais por seis alhos. Mais chuva. Abrigou-se embaixo da marquise do mercadinho de galetos. Éramos seu freguês há muitos anos. Foi direto ao assunto: O negócio tá ruim, doutor. Prótese mal ajustada dificultava a dicção. Parecia cansado. Desânimo e frustração nos olhos. O pessimismo tomava conta da sua face… Começou aos oito anos sua carreira de feirante, no mercado popular de Santa Rita. Vendia molhos de coentro enquanto seu pai trabalhava em uma tarimba de carne verde. Comerciou praticamente todo tipo de verdura em feiras da região metropolitana. Mudou-se para o mercado de Tambaú, adotando o alho como seu único e então lucrativo comércio. As coisas haviam mudado. Trinta e três anos, vida de miscelânea sem nenhum benefício social ou progresso. Comprava alho, vendia alho… Rosa fétida e curativa desde a antiguidade. Comprava alho, vendia alho… Descascava as cabeças de alho antes de dormir. Acordava cedo, tomava café e preparava uma marmita. Santa Rita rumo à praia de Tambaú. Bicicleta feminina obsoleta, todos os dias às 5 horas da manhã. Enfrentando os perigos da Avenida Liberdade e das ruas movimentadas da capital, mais de vinte quilômetros de distância. Começava as vendas cerca de 8 horas da manhã, uma média diária de 20 reais. Dizia-se satisfeito com a vida e orgulhoso de sua filha, que faltava um ano para terminar o ensino médio. O filho, que o ajudava periodicamente, estava atrasado. Namorando demais nos últimos dois anos, culpava as garotas pelo desempenho desastroso. Morava só, assim, brigava muito com a mulher. Voltamos ao mercado uma semana depois, procuramos pelo vendedor de alho. Perguntamos a uma feirante. Não respondeu prontamente, olhando para o chão como se estivesse ensaiando algo para nos dizer. Algo confidencial, talvez trágico. Finalmente: Foi assassinado na sexta-feira em casa, nove balas. Alguém o alvejou pela janela, enquanto descascava alho. Nenhuma teoria sobre a motivação. Era um homem bom, sem vícios ou inimigos. Nunca falou que tinha problemas. Morreu por razões desconhecidas, assassinado por pessoa ou pessoas desconhecidas. Anônimo e miscelânea. Silêncio no mercado. Ninguém chorou…