Paraíba e Pernambuco são irmãos de história, fé e forró. Mas quando abrem a boca, danam-se a falar tão diferente que até parece que um aprendeu a língua no Recife e o outro no alpendre de uma casa em Pombal. Essa diferença de sotaque, especialmente entre o interior paraibano e a capital pernambucana, é um daqueles casos em que a geografia desafia a fonética, e a história entra no salão com vestido de chita.
Recife é cidade animada desde os tempos do açúcar e do frevo. Com seu porto aberto ao mundo, virou uma Babel tropical. Portugueses de várias freguesias, africanos de diferentes nações, indígenas, holandeses de tamanco e todo tipo de comerciante ajudaram a moldar um sotaque ritmado, quase musical. Resultado? Um jeito de falar cheio de “tchias” e “djias”, como se a cidade estivesse eternamente ensaiando para o carnaval fora de época.
Já a Paraíba foi se formando no compasso mais calmo da roça e da fé. Sem tanta invasão ou agitação portuária, a fala paraibana foi se moldando ao som do vento do mato, do aboio, da missa em latim e das conversas de alpendre. Preservou traços arcaicos do português colonial — e no sertão, o “R” ganhou força de rio bravio: retroflexo, encorpado, quase um brado linguístico de independência.
Enquanto Pernambuco dançava com o mundo, a Paraíba afinava seu sotaque com o silêncio das serras. O recifense diz “póta”, o paraibano insiste em “porta”. Um canta no agudo, o outro arrasta no grave. E a língua, como boa sanfona, vai se adaptando ao fole de cada cultura.
Mas não pense que um é melhor que o outro. O “cafezim” do Recife vem curtinho e nasalado, mas o “carinho” paraibano traz o “nh” completo, doce e acolhedor. É como comparar pamonha com canjica: tudo tem seu tempo de cozimento e seu gosto de festa.
E já que falamos em festa… vamos logo esclarecer uma coisa: o Maior São João do Mundo é, sim, em Campina Grande! Durante todo o mês de junho (e mais um bocado), a Rainha da Borborema vira capital mundial da alegria. É tanto forró que dá para entender a diferença de sotaque só pelo ritmo do arrasta-pé. Tem casamento coletivo, quadrilha estilizada, trio pé-de-serra, milho assado e turista suando ao som de Elba e Flávio José. Ali, até quem fala “póta” aprende rapidinho a dizer “porta” — com direito a “arretado!” no fim.
No fim das contas, Pernambuco e Paraíba são como dois sanfoneiros bons de fole: cada um com seu tom, seu balanço e sua história — mas afinados na mesma paixão nordestina. E se a fala é diferente, que viva essa diferença! Porque no Nordeste, até a língua sabe dançar forró.
Por Palmarí H. de Lucena