Seguimos desde longe as dores de parto do nascimento de um Brasil republicano. Cheiramos no ar a maresia estonteante da esperança turquesa, uma fé irremediável nos maiores ativos que tínhamos como um País: uma república constitucional, uma sempre-viva promessa de civilidade e respeito mútuo entre os brasileiros. Suspiro coletivo de liberdade e afã por dias melhores haviam nos colocado na “pole-position” da gincana desafiante em direção a um futuro sempre prometido.
Hoje instituições republicanas, talvez até a própria democracia, estejam sendo danificadas colateralmente pelo clima de desconfiança e enfrentamento em que vivemos. Extremos políticos se acusam mutualmente de querer destruir seus adversários ou mais genericamente de querer destruir o País. Palavras como golpe, comunista, fascista, traidores, são lançadas no ar sem temperança ou apreciação do significado de cada uma delas. Construindo uma narrativa política envenenada, desagregadora, sem possibilidades reais de uma convivência pacífica entre os opostos. É evidente que tudo aquilo que está acontecendo é visto por uma ótica partidária, ideológica ou colorida por filtros morais da devoção e questionamentos de manifestações culturalmente diversas. Encruzilhadas que podem nos levar à escolha do pior caminho…
Tendência de governar por medida provisória usando o instrumento para impor uma agenda moral ou de costumes, provoca um curto-circuito temporário no escrutínio do poder legislativo, ao mesmo tempo, expõe projetos de grande transcendência a um desfecho de “faz ou morre”, insegurança jurídica ou do não-tão-sutil uso de expedientes coercivos da “velha política”. Influência castrense em todos escalões do governo, reforça a impressão de autoritarismo e inflexibilidade hierárquica de uma presidência com viés imperial, que encara o conceito de pesos e medidas entre os poderes como algo desafiante, considerando-os muitas vezes como um impedimento da eficácia na implantação de reformas e na aprovação célere de pautas do Poder Executivo.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores