Iwo Jima, 23 de Fevereiro de 1945. Bandeira dos Estados Unidos hasteada por seis fuzileiros navais em um mastro improvisado, no topo do monte Suribachi. Primeiro pedaço de território japonês conquistado por tropas norte-americanas. Vitória com celebridades instantâneas, ícones da liberdade…
Foto transmitida instantaneamente para o mundo. Ira Heyes, nativo americano da tribo Pima. O sexto homem, mal tocando no mastro. Transferido de volta aos Estados Unidos para participar de espetáculos midiáticos promovendo a venda dos Bônus de Guerra do Tesouro Nacional. Magos da propaganda regozijaram com a oportunidade de lançar mais uma campanha baseada na fusão do cidadão contribuinte com o cidadão soldado. Filho do povo mais oprimido do continente, herói americano prêt-à-porter. Viagens, homenagens, recepções na Casa Branca.
Tony Curtis interpretando seu papel no filme “O sexto homem”; a Balada de Ira Heyes, na parada de sucessos. Retornando à vida civil, após a guerra, encontrou tremendas dificuldades em ajustar-se ao seu novo status. Enveredou no alcoolismo, cinquenta e quatro detenções por embriaguez pública. Noite de farra, caiu em uma vala e asfixiou-se com o seu próprio vômito. Morreu aos 32 anos de idade… Estátua de bronze, cerca de 100 toneladas, réplica da foto, o principal ícone do patriotismo americano. Eternamente mais heróico que sua vida, o sexto homem…
Sala de visitas da prisão. Dois amigos conversam por interfone, através de um painel de vidro, anteparo entre o apenado e seu visitante. Chamava-se Jesse James, negro, nariz de boxeador, ex-viciado em heroína e alcoólatra, condenado previamente a cinco anos de prisão, por assalto à mão armada. Conhecemo-nos quando organizamos “Os Rebeldes do Bairro da Missão”, um grupo de auto-ajuda para adolescentes usando drogas ou engajados em atividades anti-sociais. Trabalho realizado após receber liberdade condicional. Cursou teologia e ordenou-se pastor ainda na prisão. Descoberto pela mídia, artigos na revista TIME e em jornais importantes. Entrevistas com apresentadores famosos. As ruas de São Francisco tinham um novo herói: Reverendo Jesse James. Havia galgado o topo da montanha…
O “demônio do álcool invadiu minha alma”, começou antes de explicar o motivo da nossa visita. Primeiro episódio de embriaguez pública, depois de vários meses. Episódio encoberto, precisavam de heróis, havia poucos. Descenso rápido. Preso embriagado, violando os termos de sua liberdade, com um cheque falso. Voltou à prisão para cumprir o resto da pena original. A organização precisava restabelecer sua credibilidade. Éramos o nome indicado para liderá-la durante o período de transição. Nunca mais nos encontramos…
Informações sobre problemas psicológicos e alcoolismo afetando pelo menos 5 dos 33 mineiros chilenos, começam a circular na imprensa internacional. Assédio constante de jornalistas, status de celebridades e possibilidade de ganhar significantes somas de dinheiro, sem mencionar o resgate espetacular. Abutres circulando, imaginando lucros, prêmios e fama. E os mineiros? Serão descartados como Ira Heyes ou encarcerados como Jesse James?
Ira Heyes comentou uma vez sobre seu alcoolismo: “Eu estava doente. Imagino que estava prestes a surtar, pensando nos meus bons companheiros. Eles eram melhores que eu e não iriam retornar. Muito menos para a Casa Branca, como eu”… Ninguém notou o seu descenso até a sua morte prematura. Recebeu um funeral de herói, o maior na história do Arizona…
Assim já morreram outros. Escritores, poetas, artistas, ricos e famosos. O mundo só sabe a verdade quando cada um expõe seu próprio demônio. A mídia faz os heróis, a mídia mata os heróis. Cúmplices silenciosos. Apologistas justificando todo e qualquer excesso alcoólico. Trivializando uma doença, como se fosse algo normal, hilário ou digno de nossa complacência.
Como disse um escritor brasileiro: “Bêbado, escrevi as melhores páginas da literatura universal… para um bêbado”…