Chegamos ao fim de 2021 esperançosos que o Ano Novo traga estabilidade e conforto para nossas vidas, desejo sentido mesmo por aqueles que creem que jamais voltaríamos a algo parecido com o normal. Teremos que encarar a previsibilidade do imprevisível com a chegada de 2022, durante o restante da década a rotina pré-corona vírus deve ser metamorfoseada por resquícios do tumulto e perplexidade da era da pandemia.
Ataques terroristas de “9/11” transformaram viagens aéreas gradualmente, novas ameaças expuseram alguma debilidade nos sistemas de segurança, forçando a adoção continuada de novas regras. Lacraram as cabines de comando, depois puseram guardas armados e baniram objetos pontiagudos. Novas suspeitas caíram em objetos como garrafas de líquidos, sapatos, celulares e note-books. Embarcar ou desembarcar em um aeroporto nunca voltou ao normal, sem que nenhuma rotina permanente fosse estabelecida. Aceitamos mudanças abruptas em troca de segurança coletiva.
A pandemia é parte da razão por que o mundo permanece imprevisível. Há quase dois anos, vivemos com mudanças de regras sobre o uso de máscaras, regimes de vacinação, distanciamento social, certificados de imunização e embargos de viagens. Fluxos e refluxos de infeções e novas cepas eclodiram desafiando, em grande parte provocadas por bolhas antivacinas e desigualdade de cobertura vacinal. Aprendemos a conviver com uma doença misteriosa, enquanto esperamos ansiosos que ela se torne endêmica.
Tivemos um hiato de um século entre a gripe de 1918 e a covid-19, o próximo patógeno poderá estar mais próximo do que imaginamos. Germes prosperam com o aumento de mobilidade, empobrecimento da população e devastação ambiental. Proximidade de pessoas e animais também está contribuindo para a incubação de novas doenças humanas. Zoonoses com tendência a surtos, que a cada poucos anos interesse passageiro, poderão desencadear paroxismos de precaução na próxima década.
Covid-19 acelerou mudanças até então incipientes, provocando mais imprevisibilidade no mundo. A pandemia demonstrou como indústrias podem ser drasticamente afetadas por mudanças em tecnologia. Compras pela internet, home-office, a popularização do aplicativo Zoom, pertenciam ao futuro, na pandemia, se transformaram em algo tão presente ou mundano como fazer compras no supermercado, comutar diariamente para o trabalho ou jantar com amigos em um restaurante.
Sentimos nostalgia por um mundo mais estável e previsível, de voltar a uma década sem competição hostil entre as superpotências, democracia liberal triunfante, jornada de trabalho padrão, uma internet que ainda não punha em risco indústrias tradicionais ou alimentava a máquina de ultrajes fomentando divisões e conflitos entre pessoas e povos. Reféns da desconfortante tendência de quando um sistema cruza algum limiar, todo impacto, por pequeno que seja, tende a movê-lo mais distante do seu ponto de equilíbrio. A pandemia é uma porta que uma vez cruzada se torna impossível retornar, de onde partimos em busca de um novo normal.
Palmarí H. de Lucena, membro da Uniao Brasileira de Escritores■