Dois Ataques, Dois Caminhos: Lições de Democracia

Dois Ataques, Dois Caminhos: Lições de Democracia

A insurreição em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, deixou marcas profundas na história política brasileira e, ao mesmo tempo, ecoou os eventos ocorridos nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. Apesar das semelhanças no que concerne à tentativa de subverter a ordem democrática, as respostas institucionais e os desdobramentos políticos nos dois países não poderiam ser mais distintos. Enquanto os Estados Unidos ainda lidam com a influência persistente de Donald Trump, o Brasil viu Jair Bolsonaro isolado da vida pública e envolto em uma série de processos judiciais. Essa dicotomia revela diferenças profundas nos sistemas políticos e sociais de ambas as nações.

Logo após os ataques às sedes dos três poderes em Brasília, as autoridades brasileiras agiram com celeridade. Centenas de manifestantes foram presos, e investigações detalhadas expuseram a participação de aliados de Bolsonaro em supostas conspirações para desestabilizar o governo democraticamente eleito. Em um intervalo de apenas seis meses, o Tribunal Superior Eleitoral barrou Bolsonaro de disputar cargos públicos até 2030. Paralelamente, a Polícia Federal recomendou acusações graves contra ele e seus aliados, incluindo tentativas de subversão da vontade popular e planos de permanência no poder por meios não democráticos.

Nos Estados Unidos, por outro lado, o cenário é marcado por uma lentidão processual e uma polarização ainda mais aguda. Apesar das investigações em curso sobre os eventos de 6 de janeiro, Donald Trump continua a exercer grande influência dentro do Partido Republicano. Além disso, a Suprema Corte americana, com sua maioria conservadora, tem tomado decisões que dificultam uma responsabilização direta do ex-presidente, permitindo que ele se mantenha como uma força política viável.

A diferença de respostas não se limita às instituições formais. No Brasil, a sociedade civil — incluindo setores empresariais, organizações sociais e até mesmo a Igreja Católica — condenou de forma quase unânime as tentativas de subverter a democracia. Essa unidade contrasta com o contexto norte-americano, onde muitos membros do Partido Republicano minimizaram os eventos de 6 de janeiro e, em alguns casos, demonstraram apoio aos envolvidos. Essa divisão contribuiu para a erosão da confiança nas instituições democráticas nos Estados Unidos.

A história também desempenha um papel crucial nesse contraste. O Brasil carrega as memórias de um passado marcado por ditaduras militares e autoritarismo, o que levou à criação de um arcabouço institucional robusto após a redemocratização. A Constituição de 1988 conferiu ao Judiciário poderes amplos para salvaguardar a ordem democrática. Um exemplo é o papel desempenhado por Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, que tem liderado a resposta às ameaças à democracia com firmeza.

Entretanto, a decisão de barrar Bolsonaro da vida pública não está isenta de riscos. Há quem tema que medidas tão severas possam radicalizar ainda mais seus apoiadores, como ocorreu em episódios históricos na América Latina. Na Argentina, por exemplo, o banimento de Juan Perón levou à sua ascensão como figura quase mítica, culminando em seu retorno triunfal ao poder. Contudo, no caso brasileiro, analistas apontam que a extrema direita se encontra desarticulada, com dificuldades para apresentar uma liderança unificada para desafiar o governo em 2026.

Nem todos os setores, contudo, enxergam as ações do Judiciário brasileiro como imparciais. O próprio presidente Lula, que retornou ao poder após a anulação de condenações polêmicas, carrega consigo as memórias de um sistema judicial acusado de politização. Esse histórico lança uma sombra sobre o atual cenário, gerando questionamentos sobre a independência das instituições.

O Brasil ainda enfrenta desafios para consolidar sua democracia, mas a resposta ao ataque de 8 de janeiro oferece uma lição valiosa para o mundo. Em tempos de polarização global e ameaças autoritárias, a capacidade de agir com firmeza e coesão pode determinar o futuro das democracias fragilizadas. A experiência brasileira demonstra que é possível resistir, mesmo diante de adversidades profundas, e proteger os valores democráticos que sustentam uma nação.

Palmarí H. de Lucena

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