Temporada de bailes tradicionais nos palácios imperiais de Viena. Músicas da Família Strauss e Mozart nos acompanhavam pelas ruas frias e o entardecer cinzento. Milhares de pessoas caminhando apressadamente, como fugindo da atmosfera romântica do centro da cidade, até a Igreja de Santo /Estevão estava vazia. Passavam despercebidas ou temerosas pelos pôsteres e totens nas estações do metrô e nas ruas anunciando o Baile dos Acadêmicos, no venerável Palácio de Hofburg. Celebrado anualmente por membros de partidos da extrema direita da Europa, incluindo aqueles identificados como neonazistas, antissemitas e anti-imigrantes. Evento tão inusitado como bizarro, um terço dos 180.000 judeus de Viena haviam sido deportados ou assassinados pelo Terceiro Reich. Seiscentos sobreviventes do Holocausto observavam o evento com angustia e incredulidade.
Manifestantes esquerdistas aos milhares, sindicalistas e membros da comunidade judia marchando no canyon de concreto, cortando o centro da cidade de Leste a Oeste. Bandeiras vermelhas, punhos irados ponteando o frio cortante, pelotões de homens e mulheres gritando slogans antifascistas. ¡No pasarán! Ecos da Guerra Civil da Espanha. Controlando o perímetro da zona de segurança da marcha, falanges de policiais em vestimentas, capacetes e escudos de proteção anti-tumulto. Ausentes: carabinas, bombas de gás lacrimogênio ou de efeito moral. Direitos dos participantes do baile e seus opositores, protegidos e preservados pela presença robusta de quase novecentos policiais. Manifestação encerrada com doze pessoas detidas por desobediência civil, uma vitrine quebrada e um policial agredido. A democracia sobrevivera a mais um desafio.
Policiais militares e manifestantes se enfrentando nas ruas das grandes cidades cidades. Odor de spray de pimenta e do gás lacrimogênio permeando a atmosfera, irritando olhos e narinas. Pessoas correndo em direções opostas, algumas sangrando, intimidadas por tiros de arma de fogo e tiros de borracha. Enfrentamentos assimétricos. Rígida estrutura militarista de comando e controle, mostrando-se incapaz de preservar a ordem e os direitos dos cidadãos. Democratização e participação cidadã no planejamento, fiscalização e correição das atividades policiais é o que necessitamos, fortalecendo as instituições e os imperativos constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Palmari H de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores