Velocistas cegos em competição acirrada por uma medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos de 2016, milhares de pessoas seguindo o progresso dos atletas entre as duas linhas paralelas visíveis ao público. Expressando admiração exagerada pelos obstáculos superados e histórias de triunfo pessoal abundam, muitas delas confeitadas com pieguice e condescendência. Pessoas cegas antes tratadas com desprezo ou impaciência, agora transformadas em gladiadores nas arenas do espetáculo paraolímpico. Esqueceríamos por instantes dos “ceguinhos” que encontramos nas nossas ruas, sobrevivendo à falta de mobilidade e à inércia do poder público.
Quatro décadas se hão passado, desde que o músico e folclorista Tenente Lucena constatou que três músicos surdos-mudos da “tribo carnavalesca” Índios Papa Amarelo, se destacavam pela rigorosa obediência ao ritmo. Surgiu então a ideia de ensinar música e formar uma banda usando uma metodologia que valorizasse a habilidade que tinham de sentir a música e o ritmo no coração. Podiam ser bons músicos ou bailarinos. Villa-Lobos havia identificado o coração humano como o metrônomo da alma durante sua visita a João Pessoa, nos anos de 1950. Os surdos-mudos, o grande maestro e o músico paraibano, entendiam a fortaleza criativa de um ser humano: seu coração.
Restaurante no México, homem com câmera na mão, convidando visitantes a participar de um evento chamado “Ceia na escuridão”, jantar organizado por fotógrafos cegos. Seguiu-se uma mostra e um leilão do trabalho fotográfico dos participantes, imagens formadas por processos mentais através dos outros sentidos. Videntes contemplando criações de olhos que sentiam o mundo na escuridão, pessoas com desafios visuais fazendo o mundo enxergar suas próprias limitações ou pelo menos, compreender a cegueira humana. É difícil para os videntes enxergar ou entender a essência de cada um deles, a força interior que supera obstáculos, enfrenta desafios e abre olhos…
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores