Debates políticos são arenas onde se confrontam diferentes concepções de justiça, equidade, oportunidade e opressão. É natural que, ao discordar sobre esses temas fundamentais, as pessoas não apenas se vejam como equivocadas, mas como verdadeiramente erradas. A intensidade e a paixão são esperadas quando assuntos de grande importância estão em jogo. Em certos momentos, uma voz mais alta ou um tom mais incisivo são necessários para ressaltar a urgência do tema em discussão e para atrair a atenção daqueles que podem estar inclinados a ignorá-lo.
Há ocasiões em que antagonizar uma pessoa pode ser apropriado, especialmente se ela detém poder e está enraizada em seus preconceitos. Por isso, a sátira política e a zombaria podem ser consideradas dentro dos limites da civilidade. Porém, é sempre prudente agir com moderação, uma vez que o antagonismo civil pode facilmente ser interpretado como intimidação ou assédio. O contexto é crucial.
A civilidade, compreendida corretamente, não se limita ao comportamento observável, mas diz respeito principalmente ao estado de espírito interno de uma pessoa. Ao julgar alguém como incivil, não se deve apenas considerar o tom agressivo ou o volume excessivo, mas sim a adequação desse comportamento ao contexto específico. Assim, avaliar a civilidade significa examinar o caráter e as motivações de uma pessoa, embora quando se trata de indivíduos que discordam de nós, nossa capacidade de julgamento tende a ser falha.
Estudos recentes mostram que pessoas com visões políticas opostas são comumente vistas como não confiáveis, fechadas, desonestas e até antipatrióticas. Não é surpreendente, então, que as pessoas tendam a culpar seus oponentes – e não a si mesmas ou a seus aliados – pela disseminação da incivilidade na política.
Da mesma forma, a avaliação do comportamento político está frequentemente condicionada às lealdades partidárias. As pessoas costumam aprovar o que é feito por seu próprio lado e desaprovar as ações do lado oposto, mesmo quando ambos agem de maneira semelhante. Por exemplo, se um aliado político se envolve em comportamento duvidoso, como roubar cartazes de campanha da oposição, tendemos a ser mais indulgentes do que quando é um oponente quem age da mesma forma.
A civilidade é uma rua de mão dupla, uma obrigação compartilhada entre duas pessoas. É como a regra do playground de manter as mãos para si mesmo, que permite a defesa contra um ataque, desde que todos sigam essa regra.
Por isso, as pessoas geralmente são excessivamente sensíveis à incivilidade aparente dos oponentes e frequentemente sentem-se livres para responder com a mesma moeda. O resultado dessa dinâmica é trágico. Embora haja um consenso amplo de que a incivilidade é prejudicial, reconstruir a civilidade requer que confiemos em nossos oponentes políticos e acreditemos em suas boas intenções e disposição para reciprocidade.
No Brasil, divisões partidárias tornaram muitos cidadãos quase incapazes de enxergar seus rivais de maneira positiva. Talvez a civilidade seja praticamente impossível nos dias de hoje. No mínimo, é mais difícil do que muitos supõem, devido à tendência humana de sentir desprezo, em vez de compaixão, pelos oponentes, no entanto, mesmo assim devemos reconhecer a importância da reconstrução da civilidade e oferecer alguma reflexão sobre como isso pode ser alcançado em um contexto político altamente polarizado, hostil ao diálogo entres partes opostas no Congresso Nacional e a recorrente não observância do princípio da independência harmônica entre os três poderes da república, um dos pilares fundamentais do sistema democrático.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores