Deportações Aceleradas e a Erosão do Devido Processo

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Deportações Aceleradas e a Erosão do Devido Processo

Nos últimos meses, a política migratória dos Estados Unidos tem revelado uma face dura para milhares de brasileiros que vivem em situação irregular no país. A combinação entre leis permissivas a expulsões sumárias e a retórica de endurecimento resultou em um aumento das chamadas expedited removals — deportações sem audiência, sem advogado, e muitas vezes sem que o migrante compreenda o que está acontecendo.

Estima-se que cerca de 230 mil brasileiros estejam nessa condição. Muitos foram retirados do país com base apenas na decisão de um agente de imigração, sem acesso a um tribunal ou a qualquer tipo de revisão judicial. Essa prática, embora legal, tem sido amplamente criticada por especialistas e organizações de direitos humanos por contrariar os fundamentos do devido processo legal.

O caso do voo de deportação ocorrido em janeiro de 2025 escancarou as falhas do sistema. O avião, que transportava 88 brasileiros, enfrentou falhas técnicas e temperaturas elevadas. Os passageiros estavam algemados de mãos, pés e cintura — como criminosos condenados — e, durante uma escala em Manaus, o desespero levou a um motim a bordo. O episódio forçou o governo brasileiro a negociar medidas mínimas de dignidade, como a presença de diplomatas para monitorar futuras deportações.

Mesmo assim, o poder de atuação do Itamaraty é limitado. Os consulados informam familiares e oferecem orientação, mas não podem interferir nos procedimentos migratórios. Em solo americano, quem não possui documentação está à mercê de uma máquina estatal que, por vezes, parece operar à margem do que prega a própria Constituição dos EUA: ninguém deve ser punido sem ser ouvido, julgado e defendido.

Além da violação do devido processo, há uma preocupação crescente com o desrespeito ao princípio do non-refoulement — ou não-devolução. Previsto no Direito Internacional dos Refugiados, esse princípio proíbe que indivíduos sejam removidos para países onde correm risco real de sofrer tortura, maus-tratos ou outras graves violações de direitos humanos. Ele está consagrado em tratados universais como a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados (art. 33) e a Convenção contra a Tortura (art. 3), e deveria guiar qualquer ação de deportação com responsabilidade humanitária. Ignorá-lo, como vem acontecendo em diversos contextos, representa não apenas um retrocesso ético, mas uma infração internacional.

O problema não está em aplicar a lei migratória — algo legítimo de qualquer país — mas em ignorar etapas essenciais de justiça. Quando o direito à defesa é dispensado e a presunção de inocência substituída por presunção de culpa, rompe-se um pacto básico da democracia: o de que todos, inclusive os vulneráveis, têm direito a um julgamento justo.

Esse padrão de arbitrariedade não atinge apenas brasileiros. Mas quando cidadãos são levados a aviões algemados, sem julgamento e sem chance de argumentar, não é apenas uma fronteira que se cruza — é o próprio limite do Estado de Direito que começa a se apagar.

Por Palmarí H. de Lucena