Depois de Cuito Canavale… e depois…

A batalha de Cuito Canavale entre as forças angolanas e cubanas contra o até então imbatível exercito sul-africano e seus aliados da UNITA, chegou a um impasse militar no dia 23 de março de 1988. Oportunidade única para reiniciar o processo de paz, dormente no atoleiro da guerra fria. A fruta estava madura…

Primeira visita a Luanda, novembro de 1988. Clima de otimismo. O exército sul-africano havia saído da Angola, antes mesmo de um acordo final sobre a retirada das tropas cubanas. Embora timidamente, a África do Sul começava a dar os primeiros passos para desmantelar o regime de apartheid. Dependia dos homens de boa vontade negociar as modalidades para uma paz duradoura. Depois de Cuito Canavale, tudo era possível…

Efeitos da guerra eram visíveis, em todos os aspectos. Desespero e pobreza extrema cresciam a cada instante em um país rico em diamantes e petróleo. Homens armados com barrigas vazias. Populações desabrigadas, impossibilitadas de trabalhar na lavoura devido às minas de guerra e munições dispersas. Ingredientes básicos da poção mágica da bruxa da miséria humana.

Concordamos em concentrar nossas operações na Província de Benguela. Gêneros alimentícios, medicamentos e implementos agrícolas distribuídos sob a direção de organismos sociais da Igreja Católica, em cooperação com autoridades provinciais. Facilidades logísticas e caminhões seriam disponibilizados pelo Governo no Porto de Lobito, para transportar nossas doações a todos os pontos da província. O primeiro navio chegaria à Angola no ano seguinte.

Movendo-se em direção ao interior, nossos caminhões com ajuda humanitária, cruzavam com transportes militares carregados de petrechos pesados e peças de artilharia, em direção oposta. Causa e efeito trafegando na mesma estrada. Tínhamos que derrotar o poderoso General Fome, o novo inimigo…

Nações Unidas, 22 de Dezembro de 1988. Angola, Cuba e a África do Sul assinaram o chamado Acordo de Nova Iorque. Tropas estrangeiras se retirariam de Angola, e a Namíbia se tornaria um país independente, sem a presença militar da África do Sul. O processo de desarmamento e reintegração dos ex-combatentes começaria imediatamente. Celebrava-se um Natal, paz finalmente…

Mensagens alarmantes sobre a situação da segurança em Benguela chegavam ao nosso escritório em Zimbábue, quase quatro anos depois. Militares da UNITA haviam aparecido repentinamente nas ruas da cidade, ameaçando a segurança dos nossos armazéns e pessoal. Partiríamos em seguida para Luanda, com conexão em Lusaka, para organizar a remoção de todos para a Namíbia.

Vôo da Aeroflot, nossa única opção. Partimos no velho Tupolev Combi, passageiros e carga dividindo a cabine. Assentos sem cintos de segurança – em manutenção: explicaram. Bananas e vinho da Geórgia, única refeição disponível. Clima tenso à nossa chegada, falavam de choques militares esporádicos em Luanda. A UNITA recusava-se aceitar os resultados das eleições.

Encontramos nossos colegas prontos para ser evacuados do país, pequenos combates próximo ao Hotel Presidente e o porto. Os chefes da UNITA aquartelados no Hotel Turismo, no centro da cidade, negavam tudo, sob alegação de que suas intenções eram pacificas. As carabinas falavam mais alto. A paz estava em perigo…

Embarcamos o pessoal na penumbra em um cargueiro grego, rumo à Namíbia. Seguiríamos no vôo da TAP, o último disponível. Disparos, pequenas escaramuças próximo ao hotel. Partimos às pressas para o aeroporto, driblando tiroteios e barricadas no caminho. Clima de guerra no saguão do terminal, homens armados. Decolamos. Combates aumentavam nas ruas, caminhão atingido por um míssil. Fênix imolando-se, sem a promessa de um pronto retorno…

Paz na Angola em 2002, quatorze anos depois de Cuito Canavale. Quinhentos mil mortos enterrados na mesma terra do petróleo e dos diamantes da guerra…

Luanda 2002