Democracias em Erosão: O Poder que Silencia e o Poder que Usurpa

Democracias em Erosão: O Poder que Silencia e o Poder que Usurpa

Nos Estados Unidos, sob a sombra de Donald Trump, a autoridade do Congresso vem sendo minada por um Executivo agressivo, que utiliza forças federais para constranger parlamentares, contornar regras e desacreditar os limites institucionais. A detenção de um assessor do deputado Jerry Nadler por agentes do Departamento de Segurança Interna — sob a alegação absurda de “abrigar manifestantes” — é apenas o episódio mais recente de uma escalada inquietante. Mais grave ainda é o silêncio resignado do Congresso, hoje dominado por republicanos submissos ao trumpismo, incapazes de proteger sua própria relevância. O sistema de freios e contrapesos, concebido pelos fundadores da república americana, se desfaz diante da lealdade partidária que se sobrepõe ao compromisso com a Constituição.

No Brasil, o enredo não é espelhado, mas é simétrico em sua distorção. Aqui, o Congresso não se omite: avança e se agiganta. Sob a liderança de partidos fisiológicos e setores leais à extrema direita, o Parlamento sequestrou o Orçamento da União, bloqueia reformas, sabota iniciativas e transforma a governabilidade em moeda de troca. O Executivo, eleito pelo voto popular, vê-se reduzido a um operador de emendas — muitas delas secretas — para não afundar no pântano das barganhas. O país assiste à consolidação de uma ditadura orçamentária, onde quem distribui os recursos governa, mesmo sem ter sido ungido pelas urnas.

Enquanto Trump e seus auxiliares testam os limites da legalidade e flertam com práticas autoritárias, no Brasil, o Congresso se converte em escudo para proteger seus próprios infratores. Parlamentares que cometeram crimes ou foram condenados seguem blindados por privilégios, omissões e pactos de silêncio. O Legislativo tornou-se não apenas um poder oportunista, mas também uma trincheira contra a Justiça, onde impunidade se mascara de autonomia e ética se rende a conchavos.

A combinação desses cenários é explosiva. De um lado, um Executivo acuado que tende a buscar saídas autoritárias — decretos, populismo ou confrontos diretos. Do outro, um Legislativo que opera sem controle, com chantagens orçamentárias e blindagens corporativas. Em ambos os casos, a democracia se desfaz aos poucos, não por ruptura violenta, mas por corrosão interna.

Em ambas as democracias, o que está em risco não é apenas o equilíbrio entre os Poderes, mas a própria legitimidade do Estado de Direito. Quando o Legislativo se acovarda diante do Executivo — como ocorre nos Estados Unidos — ou quando o Parlamento transforma sua força em ferramenta de autoproteção e chantagem — como se vê no Brasil —, a democracia se fragiliza de forma estrutural. Não se trata de escolher lados ou preferências ideológicas, mas de reconhecer que nenhuma democracia resiste por muito tempo quando suas instituições deixam de servir ao bem comum para servirem a si mesmas. A defesa da democracia, em qualquer latitude, exige vigilância, transparência e, sobretudo, responsabilidade institucional — não slogans, bravatas ou blindagens corporativas.

Por Palmarí H. de Lucena