Descrições coloridas por preferências politicas ou classes sociais demonstram a impossibilidade de definir precisamente o significado e, muitas vezes, a função da sociedade civil na democracia moderna. Sabemos, em termos gerais, que ela é produto da associação livre de famílias, vizinhos, grupos comunitários e cívicos, organizações sem fins lucrativos e redes sociais de milhares de variedades, como observou Alexis de Tocqueville. Comentários sobre a vitalidade e a importância do voluntariado na democracia, motivaram a explorar de perto e a converter-nos em protagonistas dos movimentos sociais na América dos anos 60.
Levamos conosco uma bagagem de ensinamentos adquiridos na nossa juventude em João Pessoa, quando partimos em 1964. Respeito à dignidade e direito alheio, convivência democrática e comprometimento social. Valores promovidos e praticados por ¨Seu¨ Odilon no Círculo Operário de Jaguaribe e nos Escoteiros do Tenente Lucena nos prepararam para embarcar no mundo de Alexis de Tocqueville, tão estrangeiro como fascinante. A sociedade civil é a chave-mestra de uma sociedade possível e de uma democracia duradoura…
Caracterizar a sociedade civil como algo na esfera econômica ou política é incorreto e pouco democrático. Ela pertence à esfera social, lugar comum onde indivíduos se congregam para formar relações horizontais, fortalecidas pela confiança e motivando a colaboração cidadã.
Progresso social promovido pelo estado e crescimento econômico, em muitas instâncias, ocorre à revelia da sociedade civil. Especialmente quando o crescimento e fortalecimento de associações cívicas são atrofiados pela diminuição do engajamento voluntário e pela crescente dependência dos recursos e autoridade do estado. A atrofia da sociedade civil relega o indivíduo a uma vivência conflitiva e politizada, na qual todos os caminhos levam a advogados, tribunais ou programas assistencialistas. Convocados gradual e frequentemente para exercer funções tutelares sobre pessoas vulneráveis e famílias disfuncionais.
Perguntamos quando voltamos em 2004: Se estamos tão bem, por que nos sentimos tão preocupados? Muitos brasileiros gostariam de ter a resposta.
Prosperidade e dificuldades em enfrentar os problemas da nossa sociedade, estão em curso de colisão. Reportagens com fatos sobre crimes, drogas, corrupção, fragmentação da família e outros males sociais, são servidas diariamente na mesma mesa, acompanhadas com notícias sobre a retomada do desenvolvimento da economia brasileira. Tomamos a rota mais fácil, nos transformamos gradualmente em uma nação de expectadores. Decisões governadas por preferências e possibilidades de ganho pessoal. Esquecendo o bem coletivo.
Enquanto a influência das nossas instituições sociais diminui, o estado verticaliza mais e mais suas relações com o povo. As possibilidades e benefícios de uma sociedade civil vibrante e democrática ofuscados pelo clientelismo, dependência e manipulações político-partidárias que ameaçam sua sustentabilidade e entorpecem o desenvolvimento humano em uma atmosfera de progresso cívico e social.
A democracia é frágil, temos que lembrar sempre. Tem que ser nutrida e protegida. Sábias palavras de Benjamin Franklin, ao descrever o sistema que criaram na Convenção Constitucional dos Estados Unidos da América: […] temos uma república, se pudermos mantê-la. Preservar uma democracia requer muito mais do que realizar eleições, legislar ou administrar a máquina do estado. Requer um número imensurável de cidadãos associados para o bem comum e capacidade de autogoverno. Democracia requer democratas.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores