Hábitos e princípios democráticos estão sendo dizimados por uma cleptocracia de internautas ou instituições que lucram fomentando desinformação, polarização e rancores, através de postagens e notícias falsas. Apesar da situação ser considerada desesperadora, muitos políticos e estudiosos acreditam que instituições democráticas encontrarão eventualmente o caminho de volta a sobriedade política, a verdade e a convivência pacífica entre pessoas, instituições e povos. Temos uma longa e árdua estrada diante de nós …
Alex de Tocqueville afirmou no livro “Democracia na America”, que “a democracia funcionava naquele país por ser genuinamente federalista, alicerçada em um sistema que permitia que a União possuísse o poderio de uma grande república e a segurança de uma pequena”. Atitude reforçada pelo seu apreço e admiração das tradições da democracia local, forjadas por pequenas instituições que inculcavam no povo um “gosto pela liberdade e a arte de ser livre”. Para ele, os americanos eram bons em democracia porque eles praticavam democracia, sendo capazes de formar uma miríade de associações sem a tutela do governo, algo que hoje chamamos de sociedade civil.
Transferência massiva de entretenimento, interação social, educação, comércio e política do mundo real para o mundo virtual, acelerada pela pandemia da corona vírus, ameaçam democracias a migrar para uma inversão pesadélica da visão de Tocqueville. Amizades são formadas virtualmente, interações são nutridas pela anemia e alienação, longe da sociedade civil, que poderia instilar um senso de comunidade e experiência prática em tolerância e construção de consenso. Pessoas ocupando animosamente espaços digitais onde raramente encontram oponentes e quando os encontram, aproveitam da oportunidade para vilificá-los. Vozes razoáveis, racionais e matizadas dificilmente são ouvidas, a radicalização se espalha rapidamente.
Democracia está ficando impossível no ermo virtual em que vivemos. Se a metade da população não pode ouvir a outra metade, se torna impossível valorizar instituições, ter tribunais apolíticos, um serviço público professional ou consenso sobre crises meio ambientais ou sanitárias, como vem acontecendo no combate à corona vírus. Tornamo-nos incapazes de chegar a compromissos, decisões consensuais ou mesmo concordar sobre o que concordar ou o que estamos decidindo. Daí a razão porque milhões de americanos se recusam a aceitar os resultados da recente eleição presidencial, apesar da chancela de tribunais, oficiais eleitos republicanos e o próprio Congresso. Eleições presidenciais in países democráticos, como o Brasil, também estão sendo questionadas, mesmo antes de realizadas ou após certificadas como justas e livres.
Autocracias estendem as possibilidades das ferramentas desenvolvidas por empresas de tecnologia e como fazer uso delas. Autocratas, presentes ou aspirantes, manipulam algoritmos e promovem o uso de contas falsas para distorcer, intimidar e espalhar “fatos alternativos”. Um sistema online controlado por um pequeno grupo de empresas do Vale do Silício não é democrático, mas antes oligopolista, possivelmente oligárquico. Cabe aos verdadeiros democratas defender a sociedade de distorções criadas por algoritmos, promover políticas públicas transparentes, adversas ao abuso de forças antidemocráticas e uso de fake news, como cupins ameaçadores da nossa liberdade.
Palmarí H. de Lucena, membro da União Brasileira de Escritores
Sua crônica é magistral.
A abordagem histórico/filosófico da formação da sociedade e da distribuição de responsabilidades sociais e políticas entre representações governamentais, descortina o eixo do compreensão da democracia nos EUA.
O cerne do espírito WASP