No passado, o “Dia da Mentira”, celebrado em 1º de abril, representava uma brincadeira inofensiva, uma diversão em que enganar o outro era passageiro e sem grandes consequências. No entanto, a sociedade contemporânea parece ter absorvido a mentira de forma permanente, transformando-a em uma prática cotidiana, especialmente no campo da política, aonde sua função vai muito além da simples diversão — ela se tornou uma ferramenta de poder.
Hoje, a verdade não é apenas ignorada, mas ativamente suprimida. A mentira, em seu papel estratégico, passou a ser um recurso fundamental para manipular o eleitorado e intensificar a polarização. O que antes era um fenômeno condenado, agora se tornou uma prática rotineira de distorção da realidade, moldada ao interesse de quem a utiliza. Governantes e figuras políticas empregam “fake news”, desinformação e narrativas enganosas para confundir e dividir a população, promovendo uma versão de realidade que lhes convém.
Esse fenômeno, longe de ser limitado a uma região ou país, afeta democracias ao redor do mundo. A polarização, alimentada por essas falsidades, cria “realidades paralelas” onde o verdadeiro e o falso se entrelaçam de maneira confusa. Redes sociais, que inicialmente surgiram como plataformas para democratizar a informação, tornaram-se palco de disseminação de mentiras, alimentadas por algoritmos que priorizam o engajamento em detrimento da precisão. A consequência é uma sociedade dividida, onde a própria verdade perde seu valor.
As campanhas políticas se transformaram em verdadeiras batalhas de narrativas, nas quais eleitores são bombardeados com versões contraditórias dos fatos. Nesse contexto, a verdade vai sendo relativizada, e o tribalismo político toma conta, com líderes explorando medos e inseguranças para garantir apoio. O uso intencional da mentira promove a fragmentação social, reduzindo o diálogo a um confronto constante que mina os alicerces da democracia.
Além disso, a mentira também tem sido usada para minar instituições e enfraquecer a credibilidade da imprensa. A confiança nas fontes tradicionais de informação é diluída, dando lugar a uma população cética, disposta a aceitar apenas aquilo que confirma suas crenças pré-existentes. Como resultado, assistimos à erosão do discurso civilizado e ao crescimento de uma cultura de confronto, na qual o debate honesto cede lugar ao ataque e à desinformação.
Essa realidade também ameaça a liberdade de expressão, um dos pilares centrais da democracia. O uso desenfreado da mentira alimenta a censura e o controle da informação, com governos e corporações tentando, por meio de regulamentações, controlar as marés de desinformação. Paradoxalmente, tais medidas muitas vezes acabam limitando ainda mais o debate público, criando um ciclo vicioso de repressão e manipulação.
Frente a esse cenário, torna-se imperativo resistir. Resistir à banalização da mentira e à polarização que ela alimenta. A sociedade deve urgentemente recuperar sua capacidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso, restaurando a integridade nas relações sociais e políticas. A verdade precisa ser resgatada como o caminho para a emancipação e para a construção de uma justiça real.
O combate à mentira requer um esforço coletivo no fortalecimento da educação midiática e da alfabetização digital. Somente uma população informada e crítica será capaz de desarmar a máquina de desinformação e restabelecer o compromisso com a verdade. O futuro de nossas democracias depende de nossa capacidade de resistir à sedução das falsas narrativas, restaurando o valor da verdade como fundamento para a convivência civilizada.
Palmarí H. de Lucena