“Você tem que me dizer por quê estão aqui”, a mulher com olhos verdes penetrantes insistiu. Resposta tímida, quase imperceptível: “Porque precisamos de emprego”. Outra pergunta: “Por que trabalhador rural? Sem esperar a resposta: “Você nunca trabalhou no campo, tem mãos de pianista”, conjeturou. Pingue-pongue verbal, a mulher da Bolsa de Empregos da Califórnia versus o jovem emigrante. Levantou-se abruptamente, como se dizendo: por hoje é só. Empate estratégico, sem chegar ao “tie-break”, a partida continuaria por mais de trinta anos.
Retornou ao escritório de Dona Miriam, relutantemente, no dia seguinte. O primeiro encontro não havia deixado uma boa impressão. A mulher parecia mais acolhedora, talvez menos agressiva. Olhos bem cuidados, esmeraldas polidas. Conversaram sobre o desemprego dos emigrantes. Concordaram. Fariam um levantamento ocupacional dos desempregados que esperavam na antessala. Designado como o interlocutor entre eles e o serviço.
Resultados apresentados, tarefa concluída. Centro-americanos, a maioria, uns tantos mexicanos e dois sul-americanos. Pablo era brasileiro. Procuravam oportunidades econômicas ou escapavam da guerra ou da opressão nos seus respectivos países. Sentados em uma sala de reuniões, aguardavam à Dona Miriam. Entrou apressadamente, uma pilha de documentos nas mãos. Falou um pouco sobre sua história de militância em movimentos político-sociais, de tendência esquerdista e na oposição à guerra no Vietnã. Uma das fundadoras do Sindicato de Estivadores de São Francisco; participou ativamente no grupo de apoio à Brigada Abraham Lincoln, na guerra civil espanhola. Enfim, convenceu seus velhos camaradas no sindicato a aceitar os membros do grupo como trabalhadores temporários.
Garoa espessa, temperatura baixa, meses depois. Labaredas e faíscas saindo de um barril, círculo humano ao redor da calefação improvisada. Esfregando as mãos, falando Espanhol fogo-rápido, protegendo-se do frio, emigrantes latino-americanos. Homens desempregados há três semanas, trabalhadores temporários, “classe C”, nas docas de São Francisco. Descarregavam bananas da América Central. Substituíam estivadores sindicalizados, que temiam a possibilidade de cobras ou inseticidas, nocivos à saúde, nas cargas. Organizaram-se para proteger seus direitos. A reação do sindicato foi contundente, demitidos sumariamente. Olhavam impacientemente em direção a um pequeno prédio, no lado oposto da rua. Esperavam um companheiro que chamavam de Pablo, “el húngaro”. Esquina das ruas 24 e Mission, no coração do bairro latino de São Francisco.
Pablo atravessou a rua, pediu silencio. Tinha algo para comunicar sobre a reunião. Deviam participar em workshops de auto-ajuda para a procura de emprego, insistia Dona Miriam Johnson, a mulher da Bolsa de Empregos. Homens impacientes. Sentiam-se em pior situação do que no primeiro dia que buscavam trabalho.
Reunião na mesma esquina, dia seguinte. Cooperariam com os workshops, cruzaram a rua… Dona Miriam explicou que os desempregados são as pessoas mais bem informadas sobre o mercado de trabalho, o ponto de partida. Argumentou que a Bolsa de Empregos era estática, participante passiva no mercado de trabalho. Oferecendo empregos quando um empregador fazia uma solicitação. Os trabalhadores se transformariam em fontes de informação sobre o mercado; identificando os empregos disponíveis, baseada na experiência de busca de cada um e nos impedimentos ao emprego para os emigrantes. Derrubando procedimentos burocráticos e transformando-os em uma ferramenta, revolucionaram a Bolsa de Empregos.
A experiência dos “estivadores de Miriam”, como os chamava, fundamentou seu primeiro livro: “Counterpoint: The Changing Employment Service”. Counter também significa balcão, em Inglês. O titulo do livro é uma alusão ao balcão que antes separava os desempregados e o serviço.
Ultrapassamos o balcão, continuaríamos a luta pelo contraponto…
São Francisco 1966