Conflitos, rosas e “ciganos” na margem do Danúbio

Começamos nossa jornada pelos Bálcãs na então Republica Socialista Federativa da Iugoslávia. O país era o pôster de uma região conflituosa, plena de contradições. Em dois mil e trezentos anos, o país já havia sido totalmente destruído quarenta e sete vezes. No século XIX, os socialistas alemães cunharam o termo balcanização para criticar as ações do czar da Rússia nos Bálcãs, quando este apoiou a formação de uma pluralidade de unidades políticas. Pequenas, separadas e hostis. Desde então, o termo é usado para descrever um modelo político estabelecido por uma potência externa numa determinada zona, para que esta pudesse influenciá-la decisivamente. O aforismo dividir para conquistar é uma tradução perfeita da expressão.

O mundo ocidental estava completamente engajado em fortalecer relações políticas e econômicas, com o chamado “comunismo com uma face humana” do Marechal Tito ou de beneficiar-se diplomaticamente da “neutralidade”, professada pelo ditador romeno Nicolau Ceausescu. A comunidade internacional não tomava conhecimento dos pequenos sinais de conflitos entre etnias, religiões e subdivisões geográficas, que emergiam na região. Em 1973, os Bálcãs eram, mais uma vez, um desastre esperando acontecer.

Atravessamos a Província da Servia, na Iugoslávia, em direção a Bulgária. Queríamos chegar ao famoso Vale das Rosas durante a colheita dos roseirais, dos festivais comemorando a estação. O vale produzia mais de 85% do óleo de rosa, usado mundialmente na produção de perfumes. O aroma das rosas permeava o ambiente. Mulheres adornavam suas tranças; os restaurantes ofereciam licores, geléias e compotas de rosas. Havia uma rosa para todo e qualquer uso, para toda ocasião. Partimos em seguida em direção aos monumentos históricos na fronteira com a Romênia. Nossa destinação final era a cidade de Drobeta-Turnu Severin, na margem esquerda do Danúbio, sul da hidroelétrica chamada “Portões de Ferro”.

Na entrada da cidade, notamos uma fila de quase cem veículos de tração animal, todos estacionados na rodovia ligando a Europa com a Ásia. Tudo estava paralisado. Buzinas tocavam incessantemente. Vozes iradas repetiam a palavra tsigani, ciganos. O ar estava poluído por epítetos raciais e impropérios. Uma caravana de ciganos havia decidido acampar na rodovia, por tempo indeterminado.

As cores brilhantes e o absurdo da situação nos inspiraram. Começamos a tirar fotos. Fomos cercados quase imediatamente por policiais uniformizados e um comissário político. Demandaram nossos passaportes. Tomaram nossas câmeras. Explicaram que os ciganos não eram parte da cultura ou da historia do país. Um grupo de vagabundos, ladrões. Queriam nos proteger deles. Eram perigosos. O comissário retirou os filmes das câmeras, expôs os demais à luz. Escoltaram-nos de volta ao veículo, com uma advertência enérgica contra qualquer contato com os ciganos. A situação não havia mudado. Muito longe de ser resolvida amigavelmente. Um dos lideres da caravana explicou os antecedentes do problema. O governo municipal não havia permitido que a caravana entrasse na cidade, ou acampasse na sua periferia. A história se repetia.

O nome cigano procede da palavra “Gypsy”, já que os etnógrafos da época acreditavam equivocadamente que o povo Romani originava do Egito. Na verdade, vieram do Nordeste da Índia. Sua migração em direção da Europa começou no século V, expandindo-se no século XVI, depois da invasão da Índia pelos mulçumanos. Todos os países da Europa criaram leis discriminando os ciganos. Na Romênia, a escravatura de ciganos só foi abolida em1855. Os Nazistas exterminaram meio milhão de ciganos em campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. Os países comunistas do Leste Europeu pós-guerra, os forçaram a participar em programas de assimilação forçada. Em 1979, a ONU finalmente reconheceu trinta e seis milhões de Romani, até então chamados ciganos, como um grupo étnico distinto, com seu próprio idioma, o romanês, sujeito a proteção internacional. O primeiro texto oficial da Igreja Católica dedicado aos Romani, ainda chamando-os de ciganos, foi publicado em 2007.

Romênia 1973